O acordo no Ecofin de sexta-feira sobre o mecanismo único de supervisão deixou o BCE mais perto de se tornar o supervisor bancário da Zona Euro, mas curiosamente pode ter deixado a união bancária mais longe de nascer. É que o acordo só foi conseguido com uma condição alemã que promete atrasar os trabalhos: a necessidade de alterar o Tratado da UE antes de avançar com as restantes componentes da união bancária.
Em causa está um sistema de resolução de bancos que defina quem decide o fecho ou a recapitalização de um banco europeus, quem paga o quê nos bancos com dificuldades, e qual será papel concreto do Mecanismo Europeu de Estabilização na recapitalização de instituições financeiras. Perante tantas questões a resolver, a criação de um fundo de garantia de depósitos comum entre os vários países parece neste momento posta de parte.
“O principal avanço foi acordo político final (...) sobre o mecanismo comum e supervisão”, afirmou na noite de sexta-feira Michael Noonan, o ministro das Finanças irlandês, que liderou os trabalhos do Ecofin que decorreram em Dublin, numa posição secundada pelos vários governos e pelas instituições europeias.
No entanto, o acordo só possível após a assinatura por todos os Estados-membros de uma declaração política, exigida pela Alemanha, onde se lê que “os Estados-membros reafirmam o seu compromisso com a conclusão de todos os elementos da união bancária (...) [e] declaram que estão preparados a trabalhar construtivamente numa proposta para a alteração do Tratado”.
A referência à alteração do Tratado foi desvalorizada na sexta-feira pela Comissão Europeia. Em conferência de imprensa Michel Barnier, o comissário responsável pela regulação financeira, salientou que o acordo sobre mecanismo de supervisão comum foi conseguido dentro do Tratado da UE, e agendou para Junho a apresentação de uma proposta um sistema comum de resolução de bancos.
A expectativa da Comissão Europeia e do BCE é a de que, a par com a supervisão integrada - que ficará nas mãos do BCE e que está agendada para meados de 2014 -, se avance com um sistema de resolução bancária e uma autoridade de resolução (que funcione em articulação com o BCE). Em Frankfurt quer-se tudo a funcionar em 2015.
Este pode contudo vir a provar-se um calendário demasiado ambicioso. É que no sábado de manhã, Wolfgang Schauble, o ministro das Finanças alemão, deixou claro que não vê forma de avançar sem alterações ao Tratado da UE.
“Uma união bancária só faz sentido... se também avançarmos com regras para a reestruturação e resolução de bancos. Mas se queremos instituições europeias para o fazer, vamos precisar de uma alteração ao tratado”, afirmou citado pela Reuters. Em causa estão princípios do Tratado como a independência do BCE ou a proibição de transferências orçamentais entre Estados-membros.
“Não poderemos dar mais passos assentes numa base legal duvidosa”, continuou, acrescentado que “é por isso que é crucial que fortaleçamos a rede de instituições e fundos nacionais de reestruturação”. A Alemanha tem sido desde início um dos países mais hesitantes na criação de uma união bancária.
As reacções à posição alemã não se fizeram esperar. O presidente do Eurogrupo apoiou uma “alteração limitada” ao Tratado: “Se os alemães têm uma posição firme sobre este assunto (...) então isto é um verdadeiro problema. Deveríamos por isso olhar para uma alteração limitada ao Tratado”, afirmou no sábado Jeroen Dijsselbloem.
O problema é que tal pode não ser possível. As alterações ao Tratado exigem acordo entre os 27 Estados-membros, e em alguns casos referendos nacionais. E o Reino Unido, cujo Governo vem defendendo a importância de alterações ao Tratado que lhe concedam mais autonomia na relação com a UE, já sinalizou que pretende levar as suas propostas a discussão. Este seria um caminho negocial exigente.
A importância de quebrar a relação perigosa entre os riscos assumidos pelos Estados e os incorridos pelos bancos foi uma das lições da Grande Recessão. A união bancária, a resposta europeia que vem sendo desenhada desde o Verão passado, é um bom exemplo de que, muitas vezes, especialmente numa união de países, é muito mais difícil operacionalizar do que de idealizar soluções.
Jornal de Negócios, 14-4-2013
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