segunda-feira, 22 de abril de 2013

Código de ética para administração pública nunca passou das intenções

JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 

PÚBLICO - 22/04/2013 - 00:00
Código estipulando valor máximo de 150 euros para ofertas de bens e serviços aos funcionários nunca foi aprovado NFACTOS/PEDRO GRANADEIRO
Provedor de Justiça diz que a publicação de normas de conduta é uma obrigação do Estado desde 2007, o que decorre da Convenção contra a Corrupção da ONU.
O Código de Conduta e Ética para a Administração Pública - que em Dezembro de 2011 a ministra da Justiça anunciou ter pronto, e cuja aprovação em Conselho de Ministros chegou a estar prevista para Fevereiro de 2012 - nunca foi aprovado e o Governo já desistiu de o fazer. A alternativa encontrada, segundo o gabinete da ministra Paula Teixeira da Cruz, foi a integração dessa matéria no Código do Procedimento Administrativo, actualmente em fase de revisão.
A criação de um código de conduta para os agentes públicos, diz há vários anos o provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, tornou-se uma obrigação do Estado português em 2007. No entendimento do provedor, essa obrigação subsiste independentemente da "enunciação dos deveres gerais dos trabalhadores da função pública contida no respectivo estatuto disciplinar" e da existência de outras normas dispersas sobre os direitos e deveres dos funcionários. Para facilitar a satisfação desse compromisso internacional do Estado, Alfredo de Sousa já dirigiu mesmo duas recomendações ao presidente do Parlamento, na anterior e na presente legislatura, mas nenhuma delas teve qualquer resultado até ao momento.
A declaração da ministra
"O Governo tem pronto um código de conduta e boas práticas que será adaptado sectorialmente", declarou a ministra Paula Teixeira da Cruz em Dezembro de 2011, num entrevista ao PÚBLICO.
A ideia vinha de trás e já em Abril de 2009, ainda com o Partido Socialista no Governo, o presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção, Guilherme d’Oliveira Martins, havia anunciado que estava a ser preparado um "código deontológico" a que ficariam sujeitos os funcionários públicos. Nessa altura, o também presidente do Tribunal de Contas acrescentou que os funcionários passariam a circular entre os serviços, não permanecendo mais do que um certo tempo na mesma função, para minimizar os riscos de corrupção, e que seria estabelecido um tecto máximo para o valor das prendas que poderiam aceitar.
Foi, aliás, uma notícia referindo a fixação desse tecto em cerca de 1500 euros que levou o Ministério da Justiça a divulgar uma nota, em Fevereiro do ano passado, confirmando ter já elaborado uma lei-quadro "para a criação de um código de conduta e ética para a administração pública" - aquele que a ministra havia anunciado dois meses antes.
O texto esclarecia que, afinal, esse código estipulava o valor máximo de 150 euros para as "ofertas de bens e serviços recebidas em virtude das funções desempenhadas" pelos funcionários, as quais teriam de ser registadas. De acordo com a nota do gabinete da ministra, o projecto deveria ir a Conselho de Ministros na semana seguinte.
Paralelamente, o provedor de Justiça retomara duas semanas antes uma diligência que o tinha levado em 2010, ainda no tempo do Governo socialista, a recomendar à Assembleia da República a adopção de um código de boa conduta administrativa com os mesmos objectivos. No ofício que dirigiu à presidente da Assembleia, Assunção Esteves, em Janeiro de 2012, o provedor recorda que a adopção de um instrumento legal deste género constitui um "compromisso" do Estado português que decorre da ratificação parlamentar, em 2007, da Convenção contra a Corrupção aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2003 (Convenção de Mérida).
Provedor sem resposta
Em anexo a esta recomendação, Alfredo José de Sousa enviou uma proposta de código da sua responsabilidade, que replica o Código Europeu de Boa Conduta Administrativa, proposto pelo provedor de Justiça europeu e aprovado pelo Parlamento Europeu em 2005.
Em resposta ao PÚBLICO, na semana passada, uma porta-voz da Provedoria de Justiça garantiu que, até essa altura, não foi ali recebida qualquer resposta da Assembleia da República à iniciativa do provedor. Uma assessora de Assunção Esteves adiantou, por seu lado, que a recomendação e a proposta foram remetidas aos grupos parlamentares, não tendo esta responsável tido qualquer outra intervenção no assunto. A proposta do provedor visava "reunir, num enunciado claro, conciso e acessível os princípios da boa administração que devem guiar a conduta de todo o agente público nas suas relações com os cidadãos".
Quanto à iniciativa anunciada pelo presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção em 2009, a prometida proposta de "código deontológico", acabou por não avançar, mas aquela entidade - que funciona junto do Tribunal de Contas e é composta por oito personalidades, incluindo os inspectores-gerais de três ministérios e um representante do Ministério Público - tem procurado acompanhar a evolução do processo legislativo posteriormente iniciado no Ministério da Justiça.
Numa acta da reunião do plenário do conselho realizada em Janeiro deste ano lê-se que o seu secretário-geral - que é também director-geral do Tribunal de Contas - informou os conselheiros ter sabido, junto do gabinete da ministra da Justiça, que "o projecto de diploma legal relativo ao código de conduta e ética no sector público não teve qualquer evolução".
Contactada pelo PÚBLICO, uma assessora de imprensa da ministra Paula Teixeira da Cruz informou esta semana que "foi decidido acomodar essa matéria no âmbito da reforma do Código do Procedimento Administrativo actualmente em curso".

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