Público
- 01/03/2013 - 00:00
Segundo
de cinco irmãos de uma família humilde, o ultra discreto procurador Amadeu
Guerra, de 58 anos, sucede a Cândida Almeida à frente do Departamento Central
de Investigação e Acção Penal
Tem
fama de ser espartano e imune a pressões o beirão ontem aprovado pelo Conselho
Superior do Ministério Público para liderar o combate à criminalidade
económico-financeira. Aos 58 anos, o ultra discreto procurador-geral adjunto
Amadeu Guerra sucede à mediática Cândida Almeida à frente do Departamento
Central de Investigação e Acção Penal.
Segundo de cinco filhos de uma família humilde chefiada por um
cabo da GNR nascido numa pequena aldeia do concelho de Figueira de Castelo
Rodrigo, no distrito da Guarda, Amadeu Guerra nasceu em Tábua, no distrito de
Coimbra, e passou a adolescência já em Lisboa. O cabo e a mulher, ambos ainda
vivos, queriam dar estudos aos filhos. E conseguiram-no: além deste rapaz, que
se formou em Direito, os outros quatro irmãos também concluíram o ensino
superior. Às raparigas deu-lhes para as ciências exactas, enquanto um dos
irmãos de Amadeu foi para a arqueologia e outro para a engenharia.
Na Faculdade de Direito de Lisboa, o futuro procurador-geral
adjunto passou despercebido: não há muitos que se lembrem dele. À medida que os
anos passavam foi construindo a sua reputação. "É competentíssimo,
honestíssimo e não é permeável a pressões", observa o juiz desembargador
Varges Gomes, que com ele trabalhou na Comissão Nacional de Protecção de Dados.
"Trata-se de uma pessoa com princípios e valores como já não é fácil
encontrar."
"Tem um feitio muito beirão", confirma outra fonte de
informação que conviveu com Amadeu Guerra também vários anos. "Se não o
deixarem fazer o seu trabalho com independência e sossego, é capaz de virar as
costas e ir-se embora. Não é pessoa para ficar a fazer fretes." Não lhe
são conhecidas quaisquer ligações ou sequer simpatias políticas. As suas causas
relacionam-se mais com a defesa dos direitos da cidadania e dos trabalhadores,
áreas onde, aliás, tem obra publicada. Teimoso, sim, mas capaz de dar a mão à
palmatória, elogia a mesma fonte.
Um procurador do Tribunal Central Administrativo Sul, local onde
esteve nos últimos anos, elogia-lhe também o profissionalismo e a dedicação à
causa pública. "É uma pessoa cheia de qualidades humanas e técnicas, muito
acima da média da maioria dos procuradores", refere Carlos Monteiro.
Apesar da dedicação à profissão, nunca deixa de voltar todos os anos a Pinhel,
onde cresceu. A tia, Graciete Guerra, ainda lá vive. "Somos daquelas pessoas
que não queremos dar nas vistas. Desviamo-nos dessas coisas. Somos todos
iguais", descreve. O procurador-geral adjunto não se esqueceu de lhe ligar
ontem, a dar-lhe a novidade do novo cargo. "É uma pessoa muito boa, gosta
muito de fazer o bem", acrescenta.
Hoje com uma filha de 25 anos, depois da Comissão de Protecção
de Dados Amadeu Guerra esteve na Comissão de Acesso aos Documentos
Administrativos. Exerceu ainda funções de auditor jurídico no Ministério das
Obras Públicas e passou pelo principal tribunal criminal de Lisboa, a Boa-Hora.
Também chegou a pertencer à unidade de controlo da Europol, a polícia europeia,
tendo aí publicado vários estudos sobre criminalidade económico-financeira.
"É o homem certo no lugar certo", considera o juiz
Varges Gomes. O Conselho Superior do Ministério Público elegeu-o para um
mandato de três anos, por 16 votos favoráveis e três contra. O advogado
Castanheira Neves, um dos 19 elementos deste órgão, contou à agência Lusa que,
antes da votação, o conselho teve "de discutir e analisar questões"
como as fugas de informação.
"Foi preciso analisar a dinâmica e os objectivos do
Departamento Central de Investigação e Acção Penal, para depois se poder
personificar o perfil do director", revelou.
"Do que depender dele o segredo de justiça está
assegurado", confirma quem já trabalhou com o procurador-geral adjunto.
Tímido, não se lhe conhecem interesses para além da profissão nem sequer
culturais, admite a mesma fonte. Mas é um homem do seu tempo: quando surgiu a
Internet em Portugal foi dos primeiros a debruçar-se sobre o seu uso no meio
laboral. Também estudou o controlo dos trabalhadores através de sistemas
automatizados.
‘Gastos faraónicos’
Amadeu Guerra crítico
de obras
públicas inúteis
O novo
director do
DCIAP considera que a corrupção
“compromete
o desenvolvimento económico
e causa prejuízos
significativos ao Estado”, por
proporcionar “gastos
faraónicos” em obras públicas de
“duvidosa utilidade”. Foi este o teor da sua intervenção no IX
Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público,
que se realizou há um ano. Num discurso dedicado ao
saneamento e transparência das contas públicas, Amadeu Guerra
defendeu a celeridade dos processos relacionados com
crimes urbanísticos, de responsabilidade de titulares de
cargos políticos e acções de perda de mandato como factores
capazes de produzir
efeitos “moralizadores na sociedade
e de contribuírem
para o reforço da prevenção especial”.
A renegociação das
parcerias público-privadas foi
outro tema que abordou. “Apresenta-se como um desafio
para o Governo, que
não será fácil. Parece-nos que o
princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos
ou a aplicação da
figura jurídica da alteração das circunstâncias
pode servir de
fundamento à renegociação, em
benefício do contraente público”, sugeriu, criticando o
facto de o modelo legal de revisão do contrato “se centrar, normalmente,
na defesa
do interesse do particular”. Na sua
opinião, a excessiva
morosidade ou os “resultados inconclusivos”
dos casos
mediáticos ajudam a criar uma
“percepção de ineficácia da justiça”, contribuindo para o
desenvolvimento de
sentimentos de impunidade.
PÚBLICO/Lusa
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