A angústia colectiva dos portugueses
reside pois no facto de não vislumbrarem uma alternativa séria, em que
acreditem e que os mobilize para pôr fim ao empobrecimento
1. É importante, quando se
gosta de um livro, termos em mente que não o devemos emprestar, a não ser a
quem tenhamos a certeza de que o vai devolver.
Vem
isto a propósito de “História de Um Alemão”, de Sebastian Haffner, que
emprestei, não me lembro a quem, e, por não encontrar em livraria um exemplar
na nossa língua, vi-me obrigado a comprar uma tradução inglesa, “Defying
Hitler”.
As
frases que vou citar são tradução minha, a partir da referida versão, mas creio
não ter alterado o sentido primacial do texto.
“No
início de 1930, a Müller sucedeu, como chanceler, Heinrich Brüning. [...] Para
provar o absurdo dos pagamentos devidos pelas reparações de guerra, levou-os ao
extremo e conduziu assim a economia da Alemanha à beira do colapso, levando
muitos bancos a fechar as suas portas e o número dos desempregados a atingir os
6 milhões. Para manter o orçamento equilibrado, o seu férreo espírito sombrio
impôs o tacanho método do bom pater
familias: “Apertem os vossos
cintos.”
A
cada seis meses, cadenciadamente, apareciam novos “decretos de emergência”,
reduzindo cada vez mais os salários, as pensões, as prestações sociais e,
finalmente, até mesmo os proventos privados e as taxas de juro.
Cada
um destes decretos era a consequência lógica do anterior e, de cada vez,
Brüning, cerrando os dentes, ia impondo essa lógica dolorosa [...]
Brüning
não conseguia oferecer mais ao país do que maior pobreza, a redução da
liberdade e a garantia de que não havia alternativa. Na melhor das hipóteses, a
sua política consistia apenas num repetido apelo à austeridade. Os seus
sucessos - e indubitavelmente teve alguns - podiam sempre ser descritos pelo
seguinte slogan: ‘Operação bem-sucedida, paciente morto.’”
Sebastian
Haffner não atribuiu a Brüning o aparecimento e a influência do nazismo na
sociedade alemã, é claro, mas não deixa de sugerir a importância que, na
vitória deste, tiveram as suas medidas económicas e financeiras, e as que, de
natureza política, para as impor, limitaram as liberdades, debilitando assim a
já então frágil democracia alemã.
2. Em Portugal não se vê, por
ora, qualquer indício explícito do surgimento de alguma força de extrema-
-direita ou movimento populista radical que possa, com sucesso, aproveitar o
descontentamento que a ineficaz dureza das medidas de austeridade, aplicadas em
nome da troika vêm produzindo entre os cidadãos.
Elas
aparecem, contudo, cada vez mais, e aos olhos de muitos, como uma espécie de
injustos “pagamentos de guerra”, de um conflito que o nosso povo não provocou
nem infligiu a ninguém.
Acresce
que, no nosso caso, não se pode dizer, em rigor, que a dívida ou o deficit portugueses tenham penalizado outro
povo que não o nosso e, pelo contrário, começa a ser perceptível que eles têm
constituído até um bom negócio para muitos interesses estrangeiros.
A
memória histórica não é curta. Ainda estão vivas e activas várias gerações de
portugueses que viveram sob a ditadura e sabem - têm conseguido transmitir às
que lhe sucederam - que a miséria forçada e o autoritarismo não são o caminho
para o fim das dificuldades actuais.
O
problema não é pois, de imediato, o do regresso ao fascismo.
A angústia
colectiva dos portugueses reside pois no facto de não vislumbrarem uma
alternativa séria, em que acreditem e que os mobilize para pôr fim ao
empobrecimento que alastra e ao desânimo que os paralisa, degradando a
democracia e assinando o óbito da economia.
Jurista e presidente da MEDEL
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