Sentir o Direito
Têm surgido notícias alarmantes sobre racionamento de medicamentos
que, a serem verdadeiras, podem configurar comportamentos criminosos. O caso
mais nítido é a possível utilização, por certas administrações hospitalares, de
medicamentos de custo mais baixo, em detrimento de medicamentos cuja eficácia é
muito superior, segundo a Ciência Médica.
Se estas acusações forem verdadeiras, os doentes estarão a ser
sujeitos a um perigo agravado para a vida ou para a integridade. Se a questão
for separada das restrições de gastos na saúde impostas pelo acordo com a
troika e pensada à luz dos nossos critérios jurídicos e constitucionais, não há
dúvida de que tais comportamentos possuem relevância criminal.
Com efeito, haverá uma omissão dos que detêm uma "posição de
garante", ou seja, estão obrigados a zelar pela saúde dos doentes, que
pode ter como consequência a morte ou uma ofensa corporal. A omissão
traduzir-se-á na não aquisição, não disponibilização ou não prescrição de
medicamentos e podem estar em causa homicídios ou crimes contra a integridade
física.
Porém, a questão surge como execução da política do medicamento,
que levaria os administradores a fazerem opções em conflito de deveres, devido
às restrições impostas pela tutela. Este dado é relevante, mas não exclui a
responsabilidade penal, uma vez que a Constituição determina que o dever de
obediência cessa perante ordens que conduzam à prática de crimes.
Assim, no caso histórico dos médicos alemães que selecionavam os
doentes mentais crónicos que iriam para os campos de extermínio, o argumento de
um conflito de deveres para salvar os restantes doentes nunca foi aceite. Por
outro lado, é difícil invocar o conflito de deveres quando é sabido que os
medicamentos em causa são ministrados em alguns hospitais.
Estamos perante problemas relativos à política de saúde e à gestão
dos medicamentos, que podem confrontar o Ministério Público e os tribunais com
os critérios de responsabilidade penal dos decisores administrativos e até
mesmo dos responsáveis políticos. Estão em causa decisões administrativas ou
políticas que podem afetar a vida ou a saúde dos doentes.
Não se trata de judicializar a política, pois não está só em causa
uma orientação que se revelou incorreta e agravou problemas económicos e
sociais. Há uma relação direta entre a decisão e a omissão do tratamento
indicado. Se a omissão for dolosa ou, pelo menos, negligente e originar a morte
ou uma ofensa, estarão preenchidos os elementos de um crime.
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