quarta-feira, 22 de agosto de 2012

PGR tenta travar lei dos compromissos no Tribunal Constitucional

i (quarta-feira, 22 Agosto 2012)

Pinto Monteiro abriu mais uma guerra com o governo: a pedido dos autarcas, instruiu o Ministério Público no TC para suscitar a inconstitucionalidade da lei que pretende impedir os serviços públicos de contraírem dividas que não possam pagar
Tribunal Constitucional vai analisar lei dos compromissos
A pedido dos autarcas, o procurador-geral da República pediu ao TC que verifique a constitucionalidade da lei
LILIANA VALENTE liliana. valente@ionline.pt
A Associação Nacional de Municípios (ANMP) pediu e o Procurador-Geral da República vai dar seguimento – a polémica lei dos compromissos vai mesmo para o Tribunal Constitucional.
Para os autarcas, a Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso (LCPA) diplomaque impede as entidades públicas de assumirem despesas para as quais não tenham receita prevista nos três meses seguintes – tem pontos inconstitucionais. A ANMP apresentou-os à Procuradoria, que decidiu levantar a dúvida junto do Tribunal Constitucional.
No mês de Julho, a associação pediu a Pinto Monteiro que analisasse a legislação. Na resposta, a que o i teve acesso, a Procuradoria-Geral da República faz saber aos autarcas que Pinto Monteiro assinou um despacho em que solicitou “ao senhor Procurador-geral adjunto, representante do Procurador-Geral da República no Tribunal Constitucional, que seja suscitada a questão da inconstitucionalidade da regulamentação da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso.”
Em causa está um ponto específico da Lei dos Compromissos, um diploma que mereceu uma forte contestação dos municípios. Os autarcas consideram que a definição do conceito de “dirigente” viola a Constituição.
Na lei aprovada, os dirigentes são “aqueles que se encontram investidos em cargos políticos, em cargos de direcção superior de 1º e 2° grau, ou equiparados a para quaisquer efeitos, bem como os membros do órgão de direcção dos institutos públicos”. Uma definição que não agrada aos presidentes de câmara: “Nós somos eleitos políticos, não somos gerentes municipais. Não somos funcionários da administração pública”, explica ao i o vice-presidente da ANMP António José Ganhão. Os autarcas pedem assim que se analise não uma norma específica, mas um conceito-base da lei – que, se for considerado inconstitucional pode pôr em causa, essencialmente, o apuramento de responsabilidades por violação da legislação. No decreto regulamentar publicado em Junho, pode aferir-se a importância da definição agora contestada: “Através do presente diploma esclarecem-se alguns dos conceitos previstos da LCPA, nomeadamente os conceitos de dirigente, gestor e responsável pela contabilidade, os quais se revelam de enorme importância na delimitação de responsabilidade quando se verifique a violação” da lei. Os autarcas pretendem afectar com esta acção uma lei da qual discordam desde o início. Para os presidentes de câmara, o pedido de inconstitucionalidade pelo alargamento do conceito de dirigente a titulares de cargos políticos “tem como pano de fundo o problema da violação da autonomia”, diz Ganhão. As autarquias foram desde o início o grande problema para a entrada em vigor da lei – a negociação do decreto regulamentar que aplicava a lei às câmaras demorou meses. Os autarcas defenderam sempre que a lei violava a autonomia de cada município. “A lei dos compromissos põe em causa a autonomia. Não somos uma extensão da administração central, somos um poder autónomo”, lembra o dirigente da ANMP. O autarca diz, no entanto, que a associação “está de acordo com o rigor e com a necessidade de controlar a despesa pública”.
A notícia da decisão de Pinto Monteiro tem data do final do mês passado. Ontem, a ANMP enviou aos seus associados a notícia de que a PGR iria dar sequência à solicitação dos autarcas junto do TC. O pedido do Procurador é para uma fiscalização sucessiva da legislação, uma vez que esta já está em vigor. Além disso, a possibilidade de pedir a fiscalização preventiva (que evita que a lei entre em vigor) não está ao alcance de Pinto Monteiro. O i questionou o gabinete do PGR, mas até à hora de fecho da edição não foi possível obter um esclarecimento.
As mudanças nas câmaras em 2012
LEI DOS COMPROMISSOS
A aplicação da lei dos compromissos às câmaras demorou meses. Os presidentes de câmara diziam que a lei ia paralisar o país e pôr em causa serviços como o transporte escolar. A lei é uma exigência da troika para o controlo das dívidas em atraso da administração pública. No caso das autarquias, o governo disponibilizou primeiro uma linha de crédito de mil milhões de euros para amortizar as facturas em atraso a fornecedores, ainda à espera de ser promulgada pelo Presidente da República. Mas as câmaras que recorram a esta linha têm de aumentar os impostos municipais para a taxa máxima definida por lei.
EXTINÇÃO DAS FREGUESIAS
A reforma administrativa foi das principais reformas anunciadas pelo governo, mas tem sido de difícil implementação. Apesar de a lei já estar em vigor, várias têm sido as assembleias municipais a recusar-se a colaborar, propondo a realização de referendos locais, atrasando assim os processos. Miguel Relvas prometeu um novo mapa autárquico a tempo das eleições de 2013.
EMPRESAS MUNICIPAIS
À espera de promulgação está ainda o diploma que pretende reduzir o número de empresas municipais. Além deste diploma, Cavaco tem em cima da mesa a lei que reduz o número de dirigentes municipais.
LEI DAS FINANÇAS LOCAIS
Até ao final do ano, o governo vai apresentar uma proposta para rever a Lei das Finanças Locais, mais uma medida exigida pela troika.
LEI ELEITORAL AUTÁRQUICA
PSD e CDS anunciam até 3 de Setembro se há acordo sobre um projecto de lei conjunto para alterar a Lei Eleitoral Autárquica. Depois disso, têm ainda de chegar a um entendimento com o PS.
Tolerância zero de Pinto Monteiro para o governo
Relações entre Procurador e executivo não têm sido pacíficas
Desde que o executivo de Passos Coelho tomou posse, Pinto Monteiro mostrou já por diversas vezes o seu lado mais rigoroso. Quando há poucos meses Helena Roseta acusou Miguel Relvas de há dez anos – quando esta era bastonária da Ordem dos Arquitectos – lhe ter sugerido a contratação da empresa onde Passos trabalhava, a Procuradoria-Geral da República não hesitou: “A ser recebida participação de ilícitos criminais [contra Relvas], a questão será ponderada”.
Um interesse que foi manifestado também nos últimos dias no caso do desaparecimento de documentos do caso dos submarinos. Pinto Monteiro revelou estar interessado em descobrir o paradeiro desses documentos. Ao i o PGR disse mesmo que assim que regressasse de férias – algo que aconteceu esta semana – iria ordenar que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) voltasse “a insistir com o ministério da Defesa no sentido de informar onde estão os documentos em falta.” Uma posição que surge na mesma altura em que Paulo Portas – actual responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros e ex-ministro da Defesa – disse em público que não acreditava que faltassem documentos.
Mas já há muito que se conhecem estes desentendimentos. No final do ano passado foi o bastonário da Ordem dos advogados a acusar o executivo de Passos Coelho, nomeadamente a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, de ter tentado destituir Pinto Monteiro antes do termo do seu mandato de seis anos. Marinho e Pinto adiantou ainda que quem impediu esse acto de “chicana” e de “quase humilhação pública” do PGR foi o Presidente da República.
Um episódio que mostra como a tolerância zero de Pinto Monteiro é retribuída pelos membros do actual governo.
Carlos Diogo Santos

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