Processo disciplinar após ida à AR é
"ofensa" à liberdade de expressão
Juristas dão razão a Nuno Santos nas críticas ao processo disciplinar da RTP
O ex-director de Informação da estação pública diz ser alvo de julgamento sumário por declarações no Parlamento e pediu à presidente da AR que se pronuncie. Assunção Esteves diz que o fará hoje
Comunicação social
Rita Brandão Guerra e Leonete Botelho
Nuno Santos pediu ontem à presidente da Assembleia da República (AR), Assunção Esteves, que se pronuncie sobre a protecção que é dada aos cidadãos chamados a depor em comissões parlamentares. O ex-director de Informação da RTP disse estar a ser alvo de um julgamento sumário por declarações prestadas no Parlamento. Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete da presidente da AR remeteu para hoje de manhã uma resposta ao apelo. Já juristas da área da comunicação social consideram que, neste caso, há um atropelo grave à liberdade de expressão e de opinião.
O ex-director de Informação, que na semana passada disse, na Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, estar a ser alvo de "um saneamento político", afirmou ontem que "mediu cada palavra" e reiterou que foi alvo de "um julgamento sumário" por parte do conselho de administração da RTP. O processo disciplinar foi-lhe movido dois dias depois da audição.
Isabel Duarte, advogada da SIC e do Expresso, defende que a imunidade parlamentar de que gozam os deputados se deveria estender a quem se pronuncia em comissões na AR. "As pessoas têm de estar à vontade para dizer o que pensam e não podem ser punidas por isso", afirma ao PÚBLICO, frisando ainda que, neste caso, o Parlamento é a entidade própria de fiscalização da estação pública e que Nuno Santos estava obrigado a dizer a verdade. Mas vai mais longe, ao considerar que o caso em si é obscuro.
"Não se sabe qual o objecto do inquérito que antecedeu o processo disciplinar, nem se conhece o seu relatório. O problema deste caso é que não se sabe quase nada sobre ele", sublinha. Para acrescentar que a instauração do processo disciplinar é "o corolário de toda a forma como Nuno Santos foi tratado neste processo, em que nem sequer foi ouvido no inquérito".
Também Tiago Rodrigues Bastos, advogado do Sindicato de Jornalistas, considera que há neste processo uma "ofensa tremenda à liberdade de expressão e pensamento", que não é diminuída pelo facto de Nuno Santos ser trabalhador da RTP. "Pelo contrário", afirma, pois "enquanto director de Informação tem o especial dever de falar com liberdade e dar a sua opinião". Para este jurista, que considera tratar-se de "um caso paradigmático e estúpido", não é necessária qualquer "especial protecção a quem é ouvido no Parlamento, basta o respeito pela liberdade de opinião". E deixa o alerta sobre o medo de represálias que se pode gerar nos jornalistas: "Cada vez que nos autocensuramos, abrimos a porta a um processo destes".
Na conferência de imprensa, o exdirector da estação pública repudiou que as suas declarações no Parlamento possam configurar uma "grave infracção disciplinar" e "violação do dever de respeito". Fundamentos que, diz, motivaram o processo disciplinar com vista ao despedimento. "Aquilo que cada um de nós diz, nessa condição de cidadãos, perante as comissões, não pode ser condicionado à partida, com medo das represálias que possamos sofrer por alguém poder ver nessas declarações delito de opinião", disse.
Para justificar que a sua demissão tem "razões políticas", invocou o seu não-alinhamento com o Governo. Nuno Santos alegou que "nos últimos dois meses" houve um incómodo crescente do poder político face à informação veiculada pela RTP, mas que esse desconforto já existia nos últimos meses. "Esse despedimento, que se segue à minha demissão por razões políticas, estava preparado, de acordo com todas as informações que recolhi, antes da minha ida à Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação da Assembleia da República", afirmou.
Nuno Santos argumentou que o poder político está a utilizá-lo como exemplo, como aconteceu com outros no passado, para mostrar à classe jornalística como é que esta se deve comportar.
Ontem, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) aprovou o nome de Paulo Ferreira como novo director de Informação da RTP. O cargo, desde a demissão de Nuno Santos, estava a ser assegurado interinamente pelo director de Conteúdos da estação pública, Luís Marinho. Miguel Barroso é o novo director adjunto, substituindo no cargo Vítor Gonçalves.
Miguel Relvas recusa a ideia de "saneamento político"
Demissão de Nuno Santos "é responsabilidade da administração da RTP"
O ministro Miguel Relvas recusou ontem a ideia de que a demissão de Nuno Santos do cargo de director de informação da RTP seja um "saneamento político" tal como o próprio jornalista afirmou recentemente no Parlamento. À margem de um encontro sobre imprensa regional que decorreu em Palmela, o ministro dos Assuntos Parlamentares, que tem a tutela da comunicação social, afirmou-se "adepto da disciplina militar na separação de competências entre o que é a gestão de uma empresa, seja ela a RTP ou qualquer outra, e aquilo que são as orientações da tutela." Por isso, assegurou que o pedido de demissão do director do canal público, aceite imediatamente pela RTP, é uma questão da "responsabilidade da administração da empresa".
Questionado sobre se as polémicas que envolvem a televisão do Estado podem desvalorizá-la no processo de privatização, Miguel Relvas garantiu que "os activos estão lá e não são as polémicas que desvalorizam uma empresa".
O governante reforçou a ideia de que é "indispensável a reestruturação da RTP para que esta seja sustentável" e reafirmou que, só em 2012, a televisão pública custou aos contribuintes cerca de 540 milhões de euros.
A polémica em torno da demissão de Nuno Santos marcou também o encontro realizado ontem para assinalar o Dia Nacional da Imprensa. Carlos Magno, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), reconheceu que as declarações do ex-director da RTP "levantam uma suspeita", mas admitiu que não seja um caso fácil de investigar. "É obrigação da ERC investigar essa suspeita ou, pelo menos, seguir essa pista", disse, adiantando que iria apresentar a proposta ao conselho regulador, para a abertura de "um novo procedimento para verificar o que é que o Nuno Santos quis dizer e seguir a pista".
Quanto às imagens cedidas pela RTP à PSP, o presidente da ERC lembrou que já existe um parecer da Procuradoria-Geral da República, de 1996, no sentido de que as imagens recolhidas por jornalistas só possam ser cedidas mediante mandado judicial e após ser pedida a autorização aos responsáveis pela recolha das imagens. E admitiu que a ERC venha "a produzir uma deliberação que não andará muito longe disso".
Natália Abreu
Juristas dão razão a Nuno Santos nas críticas ao processo disciplinar da RTP
O ex-director de Informação da estação pública diz ser alvo de julgamento sumário por declarações no Parlamento e pediu à presidente da AR que se pronuncie. Assunção Esteves diz que o fará hoje
Comunicação social
Rita Brandão Guerra e Leonete Botelho
Nuno Santos pediu ontem à presidente da Assembleia da República (AR), Assunção Esteves, que se pronuncie sobre a protecção que é dada aos cidadãos chamados a depor em comissões parlamentares. O ex-director de Informação da RTP disse estar a ser alvo de um julgamento sumário por declarações prestadas no Parlamento. Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete da presidente da AR remeteu para hoje de manhã uma resposta ao apelo. Já juristas da área da comunicação social consideram que, neste caso, há um atropelo grave à liberdade de expressão e de opinião.
O ex-director de Informação, que na semana passada disse, na Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, estar a ser alvo de "um saneamento político", afirmou ontem que "mediu cada palavra" e reiterou que foi alvo de "um julgamento sumário" por parte do conselho de administração da RTP. O processo disciplinar foi-lhe movido dois dias depois da audição.
Isabel Duarte, advogada da SIC e do Expresso, defende que a imunidade parlamentar de que gozam os deputados se deveria estender a quem se pronuncia em comissões na AR. "As pessoas têm de estar à vontade para dizer o que pensam e não podem ser punidas por isso", afirma ao PÚBLICO, frisando ainda que, neste caso, o Parlamento é a entidade própria de fiscalização da estação pública e que Nuno Santos estava obrigado a dizer a verdade. Mas vai mais longe, ao considerar que o caso em si é obscuro.
"Não se sabe qual o objecto do inquérito que antecedeu o processo disciplinar, nem se conhece o seu relatório. O problema deste caso é que não se sabe quase nada sobre ele", sublinha. Para acrescentar que a instauração do processo disciplinar é "o corolário de toda a forma como Nuno Santos foi tratado neste processo, em que nem sequer foi ouvido no inquérito".
Também Tiago Rodrigues Bastos, advogado do Sindicato de Jornalistas, considera que há neste processo uma "ofensa tremenda à liberdade de expressão e pensamento", que não é diminuída pelo facto de Nuno Santos ser trabalhador da RTP. "Pelo contrário", afirma, pois "enquanto director de Informação tem o especial dever de falar com liberdade e dar a sua opinião". Para este jurista, que considera tratar-se de "um caso paradigmático e estúpido", não é necessária qualquer "especial protecção a quem é ouvido no Parlamento, basta o respeito pela liberdade de opinião". E deixa o alerta sobre o medo de represálias que se pode gerar nos jornalistas: "Cada vez que nos autocensuramos, abrimos a porta a um processo destes".
Na conferência de imprensa, o exdirector da estação pública repudiou que as suas declarações no Parlamento possam configurar uma "grave infracção disciplinar" e "violação do dever de respeito". Fundamentos que, diz, motivaram o processo disciplinar com vista ao despedimento. "Aquilo que cada um de nós diz, nessa condição de cidadãos, perante as comissões, não pode ser condicionado à partida, com medo das represálias que possamos sofrer por alguém poder ver nessas declarações delito de opinião", disse.
Para justificar que a sua demissão tem "razões políticas", invocou o seu não-alinhamento com o Governo. Nuno Santos alegou que "nos últimos dois meses" houve um incómodo crescente do poder político face à informação veiculada pela RTP, mas que esse desconforto já existia nos últimos meses. "Esse despedimento, que se segue à minha demissão por razões políticas, estava preparado, de acordo com todas as informações que recolhi, antes da minha ida à Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação da Assembleia da República", afirmou.
Nuno Santos argumentou que o poder político está a utilizá-lo como exemplo, como aconteceu com outros no passado, para mostrar à classe jornalística como é que esta se deve comportar.
Ontem, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) aprovou o nome de Paulo Ferreira como novo director de Informação da RTP. O cargo, desde a demissão de Nuno Santos, estava a ser assegurado interinamente pelo director de Conteúdos da estação pública, Luís Marinho. Miguel Barroso é o novo director adjunto, substituindo no cargo Vítor Gonçalves.
Miguel Relvas recusa a ideia de "saneamento político"
Demissão de Nuno Santos "é responsabilidade da administração da RTP"
O ministro Miguel Relvas recusou ontem a ideia de que a demissão de Nuno Santos do cargo de director de informação da RTP seja um "saneamento político" tal como o próprio jornalista afirmou recentemente no Parlamento. À margem de um encontro sobre imprensa regional que decorreu em Palmela, o ministro dos Assuntos Parlamentares, que tem a tutela da comunicação social, afirmou-se "adepto da disciplina militar na separação de competências entre o que é a gestão de uma empresa, seja ela a RTP ou qualquer outra, e aquilo que são as orientações da tutela." Por isso, assegurou que o pedido de demissão do director do canal público, aceite imediatamente pela RTP, é uma questão da "responsabilidade da administração da empresa".
Questionado sobre se as polémicas que envolvem a televisão do Estado podem desvalorizá-la no processo de privatização, Miguel Relvas garantiu que "os activos estão lá e não são as polémicas que desvalorizam uma empresa".
O governante reforçou a ideia de que é "indispensável a reestruturação da RTP para que esta seja sustentável" e reafirmou que, só em 2012, a televisão pública custou aos contribuintes cerca de 540 milhões de euros.
A polémica em torno da demissão de Nuno Santos marcou também o encontro realizado ontem para assinalar o Dia Nacional da Imprensa. Carlos Magno, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), reconheceu que as declarações do ex-director da RTP "levantam uma suspeita", mas admitiu que não seja um caso fácil de investigar. "É obrigação da ERC investigar essa suspeita ou, pelo menos, seguir essa pista", disse, adiantando que iria apresentar a proposta ao conselho regulador, para a abertura de "um novo procedimento para verificar o que é que o Nuno Santos quis dizer e seguir a pista".
Quanto às imagens cedidas pela RTP à PSP, o presidente da ERC lembrou que já existe um parecer da Procuradoria-Geral da República, de 1996, no sentido de que as imagens recolhidas por jornalistas só possam ser cedidas mediante mandado judicial e após ser pedida a autorização aos responsáveis pela recolha das imagens. E admitiu que a ERC venha "a produzir uma deliberação que não andará muito longe disso".
Natália Abreu
Público, 12 de Dezembro de 2012
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