Por: Fernanda
Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
O caso Berlusconi – condenado, agora, por fraude fiscal – coloca,
mais uma vez, o problema da relação entre a responsabilidade política e a
responsabilidade penal. O ex-primeiro-ministro italiano foi condenado a quatro
anos de prisão efetiva, embora a pena tenha sido reduzida para um ano por uma
amnistia e disponha ainda de duas instâncias de recurso.
As duas responsabilidades distinguem-se nos seus fundamentos. Como
assinalou John Locke, a responsabilidade política deriva da quebra de um
compromisso com os eleitores, que se torna extensivo a todas as pessoas
servidas pelo Estado. Já a responsabilidade penal resulta da violação de
condições essenciais de liberdade, que são a razão de ser do Estado.
A responsabilidade penal depende da prática de crimes que, tal
como as penas, têm de estar previstos em lei prévia, expressa e precisa. A
vida, a integridade ou a liberdade são alguns dos bens protegidos, a par do
próprio Estado de Direito democrático. A responsabilidade
política pode estar associada à responsabilidade penal, mas não tem
de atingir esse nível.
Quando a responsabilidade política e a responsabilidade penal
convergem, há duas tendências a evitar, em nome da separação de poderes. Os
titulares de cargos políticos não devem abusar do seu poder para procurar a
impunidade, e a responsabilidade penal não pode servir para condicionar
adversários, convertendo em crimes opções políticas "erradas".
A rejeição de imunidades perante graves ofensas aos direitos
humanos (como sucedeu com Pinochet) pretende contrariar a primeira tendência.
Certas condenações (a da ex-primeira--ministra ucraniana Timochenko?) ou até
aplicações de penas insuscetíveis de suspensão e violações do segredo de
justiça podem constituir manifestações da segunda tendência.
Os crimes de "responsabilidade política" só podem
distinguir-se da mera responsabilidade política, que se concretiza através do
sufrágio, quando estiverem em causa a perversão das funções do Estado, a
subversão das instituições democráticas ou a violação de direitos fundamentais.
É o que sucede na corrupção, no abuso de poderes ou na denegação de justiça.
Nessas situações, o Direito Penal atinge o âmago da
responsabilidade política. Porém, uma tal convergência de responsabilidades
pressupõe uma independência das instituições judiciais "à prova de
bala". E exige também, da sociedade, no seu todo, um acréscimo de massa
crítica e a substituição do populismo pelo acesso generalizado aos critérios do
Direito.
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