domingo, 4 de novembro de 2012

Penas políticas

Sentir o Direito

Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
O caso Berlusconi – condenado, agora, por fraude fiscal – coloca, mais uma vez, o problema da relação entre a responsabilidade política e a responsabilidade penal. O ex-primeiro-ministro italiano foi condenado a quatro anos de prisão efetiva, embora a pena tenha sido reduzida para um ano por uma amnistia e disponha ainda de duas instâncias de recurso.
As duas responsabilidades distinguem-se nos seus fundamentos. Como assinalou John Locke, a responsabilidade política deriva da quebra de um compromisso com os eleitores, que se torna extensivo a todas as pessoas servidas pelo Estado. Já a responsabilidade penal resulta da violação de condições essenciais de liberdade, que são a razão de ser do Estado.
A responsabilidade penal depende da prática de crimes que, tal como as penas, têm de estar previstos em lei prévia, expressa e precisa. A vida, a integridade ou a liberdade são alguns dos bens protegidos, a par do próprio Estado de Direito democrático. A responsabilidade política pode estar associada à responsabilidade penal, mas não tem de atingir esse nível.
Quando a responsabilidade política e a responsabilidade penal convergem, há duas tendências a evitar, em nome da separação de poderes. Os titulares de cargos políticos não devem abusar do seu poder para procurar a impunidade, e a responsabilidade penal não pode servir para condicionar adversários, convertendo em crimes opções políticas "erradas".
A rejeição de imunidades perante graves ofensas aos direitos humanos (como sucedeu com Pinochet) pretende contrariar a primeira tendência. Certas condenações (a da ex-primeira--ministra ucraniana Timochenko?) ou até aplicações de penas insuscetíveis de suspensão e violações do segredo de justiça podem constituir manifestações da segunda tendência.
Os crimes de "responsabilidade política" só podem distinguir-se da mera responsabilidade política, que se concretiza através do sufrágio, quando estiverem em causa a perversão das funções do Estado, a subversão das instituições democráticas ou a violação de direitos fundamentais. É o que sucede na corrupção, no abuso de poderes ou na denegação de justiça.
Nessas situações, o Direito Penal atinge o âmago da responsabilidade política. Porém, uma tal convergência de responsabilidades pressupõe uma independência das instituições judiciais "à prova de bala". E exige também, da sociedade, no seu todo, um acréscimo de massa crítica e a substituição do populismo pelo acesso generalizado aos critérios do Direito.

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