domingo, 21 de outubro de 2012

Moçao aprovada na Assembleia-Geral de 20 de Outubro de 2012, em Coimbra

Os magistrados do Ministério Público associados do SMMP,
reunidos em Assembleia-Geral:

Consideram que:

1. Sob o pretexto do combate à crise, os últimos Governos têm destruído o Estado Social e a economia real, ofendendo os princípios basilares do próprio Estado de Direito democrático e violando garantias constitucionais fundamentais, nomeadamente os princípios da intangibilidade dos salários, da igualdade, da proporcionalidade, da tutela da confiança, e da progressividade e suportabilidade do imposto sobre o rendimento pessoal;
2. Como se previra e alertara, os sacrifícios exigidos aos portugueses desde 2011, particularmente aos servidores públicos, não trouxeram qualquer benefício ao país e à população em geral, continuando por resolver os problemas estruturais da economia e das finanças públicas, sendo incompreensível que o Governo insista numa receita que há dois anos se revela ineficaz;
3. A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2013:
i. apesar de anunciar a pretensão de respeitar a decisão do Tribunal Constitucional e a Constituição, nomeadamente numa vertente de “igualdade na repartição dos encargos públicos”, e afirmando até pretender “uma sociedade com menores desigualdades e mais justa”, consubstancia-se depois numa formulação que procurará e conseguirá precisamente o contrário – maior desigualdade e injustiça, pois que tanto o diferente tratamento de pessoas com rendimentos iguais, como o sacrifício de certos rendimento para benefício dos demais, são medidas que, para além de injustas, manterão, no essencial, os critérios e iniquidades que levaram à declaração de inconstitucionalidade de algumas normas da Lei do Orçamento de 2012, acrescentando até novas formas de violação da Constituição;
ii. mantém um desproporcionado e injustificado desequilíbrio entre os sacrifícios impostos aos titulares de rendimentos do trabalho e das pensões no sector público e os do sector privado: os trabalhadores do sector público sofrerão todas as medidas que recaem sobre os trabalhadores do sector privado, a isso acrescendo a perda de um salário (um dos subsídios) e a redução do vencimento (que vem desde 2011 e se manterá em 2013), que, para os magistrados, é de 10%, o que equivale a cerca de um salário e meio, ou seja, a dimensão do seu sacrifício é o dobro da imposta ao sector privado;
4. Na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2013:
i. quer o aumento de receita, quer a diminuição da despesa são feitas principalmente através das pessoas singulares e, dentro destas, com especial relevo para os servidores públicos;
ii. 80% da consolidação orçamental assenta no aumento de receita e desta 77% é obtida através do aumento do IRS e das prestações sociais;
iii. continuará a não haver verdadeira redução da despesa (apenas 20% da consolidação orçamental), assentando esta essencialmente na redução dos salários, suspensão de pagamento de subsídios e redução das prestações sociais (66%);
5. Devido ao seu regime legal de exclusividade, que os impede de procurar rendimentos noutras actividades, sem paralelo em qualquer outra carreira dos servidores públicos, os magistrados serão particularmente afectados por estas novas medidas, que significarão uma redução global de pelo menos 40% face aos seus salários de 2010, ou seja, um abusivo e inconstitucional confisco, agravando significativamente, muito além do tolerável, a sua situação financeira.
6. Esta drástica redução dos seus rendimentos atinge significativamente o seu estatuto socioprofissional, fomentando um estado de insegurança e de falta de confiança nas instituições, de fragilização dos fundamentos do Estado de Direito democrático e, reflexamente, afectando de forma grave os direitos dos cidadãos destinatários da justiça, como é reconhecido pelo Conselho da Europa e pela Relatora Especial das Nações Unidas para a Independência do Poder Judicial.
7. Como referem muitos economistas, perspectiva-se que estes sacrifícios sejam em vão, continuando o país com os mesmos problemas estruturais.
8. Não obstante a necessidade de reforço da solidariedade entre todos os cidadãos e sectores da sociedade, assente em medidas equitativas e proporcionais, o Governo continua a estigmatizar ostensivamente os trabalhadores do Estado, alegados beneficiários de privilégios há muito inexistentes, assim alimentando fracturas entre os sectores público e privado.
9. A situação de emergência nacional é apresentada como justificação para a violação ou compressão de direitos constitucionais de milhões de cidadãos, mas, incompreensivelmente, não é suficiente para levar o Governo a propor à Assembleia da República medidas legislativas que reduzam rentabilidades escandalosas que o Estado está a assegurar a privados em contratos ruinosos, inexplicavelmente celebrados para proveito apenas de alguns grupos económicos e bancários, ou para tributação dos rendimentos do capital em termos similares aos dos rendimentos do trabalho.
10. O Governo continua, pois, a não querer verdadeiramente respeitar a Constituição e o Tribunal Constitucional, pilares de um Estado de Direito.
11. Os magistrados do Ministério Público não estão disponíveis para assistir, resignados, ao desmembramento do Estado de Direito, à violação da Constituição e ao confisco de parte substancial dos seus rendimentos, antes estão empenhados em cumprir plenamente os deveres de cidadania que recaem sobre todos os portugueses;
12. Sendo tantas e tão fundadas as dúvidas sobre a conformidade constitucional da Lei do Orçamento do Estado, e sendo certo que os efeitos que esta venha produzir dificilmente seriam reparáveis, tal lei – a ser aprovada nos termos da proposta – só poderá entrar em vigor depois de apreciação do Tribunal Constitucional.

Pelo exposto, os magistrados do Ministério Público associados do SMMP,
reunidos em Assembleia-Geral, 
deliberam o seguinte:

A. Estão solidários com todos os cidadãos, que, em Portugal e no resto da Europa, de forma responsável e no respeito das normas constitucionais e legais, se têm manifestado e continuarão a manifestar-se civicamente na defesa do Estado Social de Direito, contra práticas políticas abusivas, lesivas da democracia, comprometedoras do progresso económico e social, nomeadamente com aqueles que farão a greve de 14 de Novembro.
B. Reafirmam o seu compromisso com o propósito de, nas suas diferentes áreas de intervenção, em especial nas sociais, terem um empenho redobrado para que a Justiça funcione com maior qualidade e celeridade, assim dando efectividade prática aos direitos consagrados na Constituição e na Lei;
C. Mandatam a Direcção para:
a. reagir judicialmente contra todas as medidas orçamentais que se afigurem desconformes à Constituição e à Lei, afirmando a sua confiança no funcionamento dos tribunais;
b. denunciar ao Conselho da Europa e à Relatora Especial das Nações Unidas para a Independência do Poder Judicial a situação dos magistrados portugueses;
c. impulsionar junto das organizações europeias representativas dos magistrados do Ministério Público e magistrados judiciais a realização de formas de protesto concertadas ao nível europeu contra todas as políticas dos diversos Estados que diminuam ou condicionem as garantias da independência do poder judicial;
d. apelar a Sua Excelência o Presidente da República que suscite a apreciação preventiva da constitucionalidade da Lei do Orçamento do Estado de 2013, impedindo que a mesma produza quaisquer efeitos – que sempre seriam irreparáveis para aqueles por ela lesados – antes de haver certeza de ser conforme à Constituição;
e. por si só ou, preferencialmente, em coordenação com outras estruturas representativas do sector (juízes, oficiais de justiça e outros operadores judiciários), nacionais e internacionais, que nisso manifestem disponibilidade e interesse, para promover quaisquer outras reacções, incluindo a greve, que, salvaguardando a imagem pública dos magistrados, se afigurem adequadas à defesa do Estado Social de Direito e das garantias constitucionais e de direito internacional fundamentais.

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