Inês David Bastos e Márcia Galrão
O Ministério Público (MP) assume que tem dificuldades em fazer uma avaliação “fáctica” a todas as declarações de rendimentos e de património dos titulares de cargos políticos. O que, no limite, reconhece o MP, põe em causa “verdadeiras acções de prevenção da criminalidade económica, da corrupção e do enriquecimento ilícito de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”.
Em causa está o facto de, nos últimos anos, terem ganho novos deveres nesta área (passaram a fazer uma comparação sistemática) e de a estrutura do MP se manter a mesma desde os “anos 90″. Isto é, dois procuradores e dois procuradores-adjuntos, como assessores.
O reconhecimento – em jeito de alerta – é feito no relatório anual de actividades da Procuradoria Geral da República (PGR), referente a 2010; mas que se mantém actual, dado que, no Tribunal Constitucional, se mantêm os quatro procuradores. Os mesmos que existiam antes de 2008, quando as funções de fiscalização das declarações de rendimentos se limitavam “a tomar posição perante eventuais situações de dúvida acerca do dever de apresentação”, encaminhando, ainda, denúncias feitas ao TC ou sancionando os titulares que não entregassem as declarações.
Mas, ao longo dos últimos anos, o legislador foi alargando a área de intervenção dos procuradores que actuam no Palácio Ratton. “Foi conferido ao MP o poder-dever de comparar sistematicamente a situação patrimonial dos titulares de cargos políticos, nos momentos do início e termo das funções”, lê-se no relatório da Procuradoria.
Reconhecendo que o actual universo das declarações de rendimentos ultrapassa, “seguramente, a dezena de milhar”. Por isso, os magistrados alertam para a necessidade de haver uma “restruturação e reforço” dos serviços do MP no Constitucional, sob pena de pôr “em risco a possibilidade prática” de se fazer uma “indagação fáctica” de todas as declarações e de eventuais ilícitos. E repetem que, para que o MP possa efectuar tal competência, será “necessário complementar o lacónico regime legal” com “normas de índole procedimental”.
Fonte da magistratura lembra ainda ao Diário Económico: “Não podemos esquecer que estes dois procuradores do MP, coadjuvados por outros dois, não têm só estas competências, têm todas as outras acções que entram no Constitucional”. No relatório, os procuradores pedem também que seja reforçada a colaboração de pessoal qualificado (assessores) que, “sob a orientação do MP”, colabore na análise dos “vários milhares de declarações” que têm que ser analisadas e comparadas anualmente. E consideram fundamental “assegurar o acesso” a informação detida por entidades públicas.
Depois de 2008, as competências do MP voltaram a ampliar-se em 2010. O Governo decidiu alargar o número de pessoas que tem a obrigação de apresentar estas declarações, incluindo no pacote gestores de empresas públicas e outros cargos. Além disso, a nova lei passou a obrigar à declaração das contas bancárias à ordem e definiu que sempre que existam acréscimos patrimoniais superiores a 23.750 euros (50 salários mínimos) essas pessoas com altos cargos têm que dar conta disso ao Tribunal.
Este alargamento, segundo o especialista Luís Sousa, veio tornar ainda mais ineficaz o papel dos procuradores que têm que analisar essas declarações. “Uma maneira de tornar ineficaz o aumento da abrangência é manter os mesmos meios do MP”, reconhece, lembrando que é sintomático que nunca tenha sido detectado qualquer caso de ilegalidade ou discrepância entre o que se declarou e a realidade (ver entrevista ao lado).
Contactada pelo Diário Económico sobre a eventual existência de reforço de meios, fonte da Procuradoria não respondeu até à hora do fecho desta edição.
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