Francisco Teixeira da Mota
Escrever direito
No recomeço do ano judicial, uma salada russa de reflexões sobre questões do mundo do direito:
ARRENDAMENTO – A nova lei traz algumas melhorias práticas mas não vai resolver o problema da impunidade de quem não paga rendas e não entrega o locado. O novel Balcão Nacional do Arrendamento corre o risco de se limitar a remeter sistematicamente os processos para o tribunal onde continuarão a demorar anos …
HOMOSSEXUAIS – A possibilidade legal de adopção por casais homossexuais, por muito que hoje em dia ainda choque muita boa gente, será dentro de algum tempo algo de muito pouco chocante, até mesmo evidente, mas não parece que essa venha a ser a realidade nesta legislatura.
MINISTRA DA JUSTIÇA – Não deixa de ser meritório e louvável o esforço da ministra da Justiça em conseguir concretizar o seu sonho da criação do crime de enriquecimento ilícito. Mas quantas condenações virão a acontecer pela prática deste crime, se o mesmo algum dia conseguir chegar a ver a luz do dia? Provavelmente nenhuma.
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA – Seja quem for o novo, nada de substancial irá mudar no mundo da Justiça. Poderá ser mais corporativo ou menos corporativo, mais actuante ou menos actuante, mais recalcitrante ou menos recalcitrante, mas para se chegar a este lugar tem de se aceitar que a Justiça é a arte do possível. E, no nosso país, o possível é, geralmente, pouca coisa.
RTP – A actuação do Governo e dos seus “muchachos” no caso António Borges/concessão da RTP 1 pareceu tão incompetente e desprovida de razoabilidade que a única esperança que há (para a salvaguarda da sua credibilidade) é que, por detrás destas jogadas, esteja uma maquiavélica estratégia conhecida por “balão de ensaio”, segundo afirma Estrela Serrano, ex-ERC, no seu blog “vaievem” que levanta a suspeita de a intenção final ser a entrega do “serviço público de televisão” (?) a uma tal de Pineview Overseas, S.A., com sede na cidade do Panamá, República do Panamá. Ao menos o Governo tinha uma estratégia pensada !
SUBMARINOS – Ninguém duvida que terá havido poucas-vergonhas neste negócio. A condenação dos corruptores na Alemanha deixa poucas dúvidas sobre a assunto, mas receio que se repita o caso Freeport: montanhas que parem ratos nos tribunais e imensos alpinistas e ratazanas à solta pela rua.
UNIÃO DE TRÊS PESSOAS – Uma distinta notária de Tupã, em São Paulo, decidiu oficializar por escritura um “ménage à trois”. Verdade seja dita que, pelo que se sabe, a escritura se limita a estabelecer regras para a divisão do património no caso de falecimento de algum dos membros da “equipa” ou “família” ou no caso de separação, o que não parece nada de excessivo. Questão diferente seria a de se saber se o que está acordado nessa escritura conflitua com as leis de família ou sucessórias. De qualquer forma, dúvidas não haverá que as novas formas de coabitação vão gerando novos problemas a que o direito terá de ir dando respostas. Com as lei já existentes e com aquelas que estão sempre a nascer.
PUSSY RIOTS – A condenação das simpáticas cantoras a dois anos de prisão efectiva é indiscutivelmente um sinistro caso de repressão política da liberdade de expressão na Rússia; mas o facto de terem decidido actuar, da forma como o fizeram, num espaço religioso contra a vontade dos membros da Igreja não deixa de ser lamentável.
ISLAMABAD – A detenção de uma criança de 14 anos por alegadamente ter queimado umas folhas do Corão e a posterior detenção do imã que acusou a criança de blasfémia mostram bem como a religião e a lei devem estar separadas.
JERUSALÉM – As empresas de transportes públicos tinham deixado de afixar imagens de mulheres na publicidade dos autocarros em virtude das ameaças dos extremistas haredim. O assunto foi levado aos tribunais e concluiu-se que não era aceitável tal discriminação e imposição por parte dos extremistas, mas o resultado não foi o desejável: a partir de agora, à cautela e apesar do entendimento judicial, os autocarros não terão publicidade, nem com imagens de mulheres nem de homens! Ganha o extremismo religioso, perde a liberdade de expressão.
WIKILEAKS – Foi uma jogada de mestre o recurso ao asilo diplomático por parte de Julian Assange, já que a sua ida para a Suécia teria um destino fatal: a extradição para os EUA. Basta ler o que referia Naomi Wolf, na passada quarta-feira neste jornal, sobre o modo como as autoridades suecas trataram a alegada violação cometida no caso Assange, tão diferente do modo como lidam com todos os outros casos de violação, “que indica claramente a aplicação de um padrão de justiça deturpado”. Dúvidas não haverá de que aquilo que Assange fez aos EUA só muito dificilmente poderia ser perdoado por um Estado e não parece que os EUA estejam nessa disposição… sobre Assange pende uma “fatwa” não assumida mas inequívoca e inexorável.
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