Circuncisão
A
circuncisão de crianças que não têm capacidade para prestar consentimento é uma
ofensa corporal? Há razões culturais e religiosas que a justifiquem? Eis as
questões suscitadas pela decisão do Tribunal de Colónia que apreciou o caso do
menino de quatro anos, oriundo de uma família muçulmana, ao qual a circuncisão
provocou complicações clínicas.
Por: Fernanda Palma, Professora
Catedrática de Direito Penal
O tribunal alemão entendeu que aliberdade religiosa dos pais não
se sobrepõe à integridade física da criança nem serve para determinar o
seuverdadeiro interesse. Mas o médicoque efetuou a intervenção cirúrgica foidesculpado
e absolvido por ter agido sem consciência da ilicitude, ou seja, por pensar que
a sua conduta não era proibida ou estava justificada.
À luz do Código Penal português, qualquer agressão que incida
sobre o corpo ou a saúde é um crime. Contudo, não se considera ofensa corporal
a intervenção médico-cirúrgica realizada com finalidade curativa e de acordo
com as leis da medicina. Nesse caso, apenas poderá verificar-se um crime contra
a liberdade, se o doente não consentir.
A doutrina jurídica reconhece ainda que há comportamentos aceites
segundo critérios de adequação social (como a luta desportiva), que caem fora
do âmbito da incriminação. Por fim, as ofensas consentidas por maiores de 16
anos são justificadas se não contrariarem os "bons costumes" – se,
por exemplo, não causarem danos graves ou violarem a dignidade da pessoa.
A excisão praticada contra mulheres por razões
"culturais" não está excluída das ofensas corporais. Apenas se pode
questionar, em alguns casos (e com um sentido muito restritivo, sob pena de
legitimar uma conduta altamente condenável), se quem a pratica tem consciência
da proibição, o que permitirá discutir, porventura, a existência ou ausência de
culpa.
No caso da circuncisão de menores sem idade para consentir, o
problema é diferente? Adiferença para oDireito pode residir nos efeitos ao
nível de integridade do corpo, saúde, funções orgânicas e dignidade da pessoa.
Nesse sentido, o parlamento alemão irá apreciar uma lei que autorize tal
prática respondendo a apelos das comunidades judaica e muçulmana.
No caso da excisão, nem os argumentos culturais, que implicam a
diminuição da mulher, nem as consequências incapacitantes autorizam a
justificação. A circuncisão tem um significado diferente e não suscita dúvidas
quando praticada em adultos. Porém, tratando-se de crianças, haverá argumentos
decisivos para desvalorizar os riscos para a integridade física?
1 comentário:
Muito interessante esse assunto do consentimento de crianças e adolescentes. Escrevi um artigo sobre isso, intitulado "Opções terapêuticas na adolescência: uma questão de cuidado e respeito", na ótica do direito brasileiro, que foi publicado no livro: Cuidado e Responsabilidade. Coordenação de Tânia da Silva Pereira (Brasil) e Guilherme de Oliveira (Portugal – Universidade de Coimbra). Vários Autores. São Paulo: Atlas, 2011, p. 283. Mas ainda é uma questão longe de se ter uma solução parametrizada. Abraços.
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