É
difícil suportar já o fado triste e choradinho dos que nos asseguram que não há
dinheiro público para as tarefas sociais do Estado.
No
artigo "A Social-Democracia como Último Baluarte", publicado na edição
portuguesa do "Courrier Internacional", o historiador anglo-americano
Tony Judt afirmou, em 2010, o que muitos pensam hoje: "(...) aquilo a que
assistimos é à transferência das responsabilidades do Estado para o sector
privado (...) a uma "economia mista" da pior espécie, em que a
empresa privada é, indefinidamente, financiada por fundos públicos".
Quando
se diz que os fundos públicos não parecem suficientes para realizar o bem comum
– a justiça e a coesão social –, a questão que se coloca é então a de saber
como e porque é que esses fundos escassos são, com demasiada frequência,
canalizados para o apoio da "iniciativa privada" – aquela que,
precisamente, se diz bloqueada pelo peso do Estado.
Não
está, evidentemente, em causa a possibilidade de o Estado poder apoiar
investimentos e iniciativas privadas ou sociais que, de alguma forma, possam
contribuir, em momentos de crise, para o desenvolvimento da economia, o aumento
do emprego ou a difusão da cultura.
O
que está em causa é a forma como esses dinheiros vão ser aplicados e o efectivo
retorno que, para o bem comum, deve ser acautelado, depois de realizados os
negócios e os lucros privados.
O
que está em causa é o controlo da utilidade, da transparência e da justiça da
aplicação privada desses fundos públicos.
É
difícil suportar já o fado triste e choradinho dos que nos asseguram que não há
dinheiro público para as tarefas sociais do Estado quando, por outro lado,
vamos sabendo que esse mesmo dinheiro vai, entretanto, servindo para apoiar os
interesses estratégicos de grupos económicos privados ou, pior, para salvar
investimentos aventureiros e os lucros de negócios criminosos.
É
chocante que, placidamente, se anuncie que as expectativas de muitos cidadãos,
fundadas em descontos certos e esforçados de vidas inteiras de trabalho, não
podem agora ser asseguradas quando, por outro lado, se continua a escorar a
ideia da inevitabilidade da inquebrantável solidez dos proventos dos negócios
mais duvidosos e a afastar a possibilidade da partilha do risco com os privados,
no âmbito, por exemplo, das PPP.
Uma
das características que legitima a intervenção do Estado e justifica a sua
função fiscal é o da sua – ao menos aparente – imparcialidade. Quando a ideia
de imparcialidade do Estado – mesmo que apenas formal – começa a definhar, é a
sua própria legitimidade que começa a esboroar-se.
Se,
em nome da crise, se impõem sacrifícios imerecidos à generalidade dos cidadãos
e se propagandeia a ideia – porventura verdadeira – de que estes não poderão
tão cedo voltar a viver com o pequeno desafogo que, durante poucos anos, lhes
foi permitido, não é mais possível aceitar que uns poucos interesses e
interessados se entrincheirem numa cidadela imune ao eufemisticamente chamado
"ajustamento" da economia.
Se
esse "ajustamento" se for consolidando apenas na vida quotidiana dos
cidadãos comuns, desfaz-se a lenda de que as medidas de austeridade apenas
visam responder a uma situação extraordinária, provocada, no essencial, por um
bando de irresponsáveis.
O
que passa a ressaltar é a vontade – não declarada – da construção de um outro
paradigma político e social porventura ainda menos justo e equitativo. É
verdade que, como refere Boaventura Sousa Santos, vivemos já numa democracia de
baixa intensidade.
Todavia,
importa perguntar: quem anunciou esse programa político e quem o votou?
António
Cluny, Jurista e presidente da MEDEL | ionline | 24-04-2012
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