segunda-feira, 23 de abril de 2012

“PGR deve ser do Ministério Público”

Ana Luísa Nascimento | Correio da Manhã | 23-04-2012

Texto integral da entrevista do novo Presidente do SMMP, Dr. Rui Cardoso, ao Correio da Manhã: «Face à experiência deste PGR e de todos os outros, e ao estado em que está o MP… temos de ter alguém que aceite aquele núcleo fundamental de princípios do MP, um MP democrático e não autocrático. Composto por magistrados autónomos, hierarquicamente subordinados, e não outra visão que era a visão deste PGR, em que todos os magistrados estariam ao serviço do PGR, que não seriam autónomos… Tem de ser alguém que conheça muito bem o MP. Como último requisito, alguém que goste verdadeiramente do MP».
Correio da Manhã – Acaba de tomar posse como presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). Como avalia os últimos anos do Ministério Público (MP)?
- Rui Cardoso – Seguramente seis anos perdidos. O MP não deu os passos que deveria ter dado, muito tempo foi perdido com problemas que não existiam, nenhum tempo foi gasto a resolver os verdadeiros problemas.
- Como é que responde àqueles que dizem ter havido uma maquinação entre o SMMP e o Ministério da Justiça para derrubar o procurador-geral (PGR)?
- Nós de modo algum temos ou tivemos intenção de derrubar quem quer que seja. O que nós pensamos sobre a forma como o PGR exerceu as suas funções foi sempre dito, e claramente.
- Mas não houve uma confluência de vontades?
- A apreciação crítica que nós fizemos, e em alguns momentos foi até extremamente dura, não tiveram esse sentido. Não pode haver dúvidas de que o PGR, apesar do estatuto de autonomia que tem, responde politicamente, e essa responsabilidade política perante o Governo e perante o Presidente da República deve ser exigida, sob pena de ser um lugar de ‘total poder, nenhuma responsabilidade’. Claro que essa responsabilização política não pode ser vista pela sua actuação em casos concretos.
- Houve uma oportunidade para substituir o PGR, quando completou 70 anos.
- A questão dos 70 anos, juridicamente não é líquida.
- Mas independentemente da questão jurídica dos 70 anos, se fosse PGR teria pedido para sair?
- Num cargo tão importante, não aceitaria ficar se não tivesse absoluta certeza de que tinha a legitimidade legal para o fazer.
- Como avalia a actuação do PGR nos casos que envolveram o nome do anterior primeiro-ministro José Sócrates?
- Não posso comentar casos concretos. Globalmente, aquilo que transpareceu, aquilo que foi feito em alguns casos, não pareceu absolutamente conforme com os normais trâmites dos procedimentos dentro do MP. E numa instituição como o MP é muito importante não só aquilo que efectivamente é mas a imagem que se dá, pois a nossa capacidade de exercer as funções depende do prestígio da credibilidade que temos.
- Refere-se a quê?
- À forma como alguns processos foram tratados.
- Isso é muito grave…
- Naquela altura houve alguns episódios que legitimamente suscitaram dúvidas sobre se em Portugal há um tratamento de forma igual para todos.
- Refere-se à norma que esteve na origem da destruição das escutas do processo Face Oculta?
- Não só… Com esses processos houve coisas, por exemplo, como a figura da extensão procedimental, que ninguém conhecia, que foi uma figura encontrada para conseguir proferir um despacho... Não são situações desejáveis. Nestes casos há um especial dever de transparência.
- Concorda com o modelo de nomeação do PGR ou preferia que fosse nomeado pelo Parlamento?

- Não tenho opinião muito formada sobre isso. Um e outro têm desvantagens. Se o nosso Parlamento tivesse uma tradição ancestral de funcionamento democrático consolidado, eu seria muito mais favorável a uma nomeação com a intervenção do Parlamento. Deixaria de haver essa ligação a um partido, ao partido que está no Governo.

- Qual é que acha que deve ser o perfil do próximo PGR? Um magistrado da casa, um magistrado de carreira ou até um advogado?
- Por princípio, não acho absolutamente necessário que seja alguém do MP, mas face ao perfil que acho que deve ter o PGR, dificilmente poderá ser alguém que não seja do MP.
- Isso tem a ver com a má experiência com Pinto Monteiro?
- Face à experiência deste PGR e de todos os outros, e ao estado em que está o MP… temos de ter alguém que aceite aquele núcleo fundamental de princípios do MP, um MP democrático e não autocrático. Composto por magistrados autónomos, hierarquicamente subordinados, e não outra visão que era a visão deste PGR, em que todos os magistrados estariam ao serviço do PGR, que não seriam autónomos… Tem de ser alguém que conheça muito bem o MP. Como último requisito, alguém que goste verdadeiramente do MP.
- Preferia que o próximo PGR fosse alguém do MP?
- Não encontro ninguém fora do MP que corresponda a este perfil.
“Tribunal Constitucional passa por uma crise de credibilidade”
- Falando do sindicato, quais serão as suas primeiras iniciativas e os problemas que devem ser resolvidos com mais urgência?
- Nesta altura, a nossa grande preocupação é a reforma da organização judiciária. É decisiva a médio e a longo prazo. Há muito a fazer, muito a mudar.
- E os problemas? É a carreira?
- Há dois problemas graves: por um lado a degradação do estatuto sócio-profissional dos magistrados, por outro a questão das carreiras dos magistrados que estão completamente bloqueadas.
- Deve haver concursos e para que lugares?
- Nós somos claramente defensores dos concursos para todos os lugares. O MP não é uma instituição em que haja espaço para a confiança pessoal. Se há uma relação hierárquica, não há necessidade de haver uma confiança pessoal. Os únicos lugares que eu ressalvaria são o do vice-PGR – aí sim há uma relação de confiança – e os procuradores distritais.
- Que apreciação faz do trabalho da ministra da Justiça?
- Reconheço-lhe, antes de mais, uma genuína preocupação em corrigir os verdadeiros problemas da Justiça, vejo nela uma vontade sincera de corrigir esses problemas. E isso é uma grande evolução face àquilo que sucedeu nas duas legislaturas anteriores. Hoje encontramos essa vontade e lealdade.
- Que comentário lhe merecem os nomes recentemente avançados para o Tribunal Constitucional (TC)? Desiludiram-no?
- Alguns sim. Não correspondem ao perfil que gostaríamos de ter no TC, que passa por uma crise de credibilidade aos olhos dos portugueses. Nós precisamos para o TC de pessoas com uma qualidade técnico-científica, jurídica, muito elevada.

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