Texto integral da
entrevista do novo Presidente do SMMP, Dr. Rui Cardoso, ao Correio da Manhã:
«Face à experiência deste PGR e de todos os outros, e ao estado em que está o
MP… temos de ter alguém que aceite aquele núcleo fundamental de princípios do
MP, um MP democrático e não autocrático. Composto por magistrados autónomos,
hierarquicamente subordinados, e não outra visão que era a visão deste PGR, em
que todos os magistrados estariam ao serviço do PGR, que não seriam autónomos…
Tem de ser alguém que conheça muito bem o MP. Como último requisito, alguém que
goste verdadeiramente do MP».
Correio
da Manhã – Acaba de tomar posse como presidente do Sindicato dos Magistrados do
Ministério Público (SMMP). Como avalia os últimos anos do Ministério Público
(MP)?
- Rui
Cardoso – Seguramente seis anos perdidos. O MP não deu os passos que deveria
ter dado, muito tempo foi perdido com problemas que não existiam, nenhum tempo
foi gasto a resolver os verdadeiros problemas.
- Como
é que responde àqueles que dizem ter havido uma maquinação entre o SMMP e o
Ministério da Justiça para derrubar o procurador-geral (PGR)?
- Nós de
modo algum temos ou tivemos intenção de derrubar quem quer que seja. O que nós
pensamos sobre a forma como o PGR exerceu as suas funções foi sempre dito, e
claramente.
- Mas
não houve uma confluência de vontades?
- A
apreciação crítica que nós fizemos, e em alguns momentos foi até extremamente
dura, não tiveram esse sentido. Não pode haver dúvidas de que o PGR, apesar do
estatuto de autonomia que tem, responde politicamente, e essa responsabilidade
política perante o Governo e perante o Presidente da República deve ser
exigida, sob pena de ser um lugar de ‘total poder, nenhuma responsabilidade’.
Claro que essa responsabilização política não pode ser vista pela sua actuação
em casos concretos.
- Houve
uma oportunidade para substituir o PGR, quando completou 70 anos.
- A
questão dos 70 anos, juridicamente não é líquida.
- Mas
independentemente da questão jurídica dos 70 anos, se fosse PGR teria pedido
para sair?
- Num
cargo tão importante, não aceitaria ficar se não tivesse absoluta certeza de
que tinha a legitimidade legal para o fazer.
- Como
avalia a actuação do PGR nos casos que envolveram o nome do anterior
primeiro-ministro José Sócrates?
- Não
posso comentar casos concretos. Globalmente, aquilo que transpareceu, aquilo
que foi feito em alguns casos, não pareceu absolutamente conforme com os
normais trâmites dos procedimentos dentro do MP. E numa instituição como o MP é
muito importante não só aquilo que efectivamente é mas a imagem que se dá, pois
a nossa capacidade de exercer as funções depende do prestígio da credibilidade
que temos.
-
Refere-se a quê?
- À forma
como alguns processos foram tratados.
- Isso
é muito grave…
- Naquela
altura houve alguns episódios que legitimamente suscitaram dúvidas sobre se em
Portugal há um tratamento de forma igual para todos.
- Refere-se
à norma que esteve na origem da destruição das escutas do processo Face Oculta?
- Não só…
Com esses processos houve coisas, por exemplo, como a figura da extensão
procedimental, que ninguém conhecia, que foi uma figura encontrada para
conseguir proferir um despacho... Não são situações desejáveis. Nestes casos há
um especial dever de transparência.
-
Concorda com o modelo de nomeação do PGR ou preferia que fosse nomeado pelo
Parlamento?
- Não tenho opinião muito formada sobre isso. Um e outro têm desvantagens. Se o
nosso Parlamento tivesse uma tradição ancestral de funcionamento democrático
consolidado, eu seria muito mais favorável a uma nomeação com a intervenção do
Parlamento. Deixaria de haver essa ligação a um partido, ao partido que está no
Governo.
- Qual
é que acha que deve ser o perfil do próximo PGR? Um magistrado da casa, um
magistrado de carreira ou até um advogado?
- Por
princípio, não acho absolutamente necessário que seja alguém do MP, mas face ao
perfil que acho que deve ter o PGR, dificilmente poderá ser alguém que não seja
do MP.
- Isso
tem a ver com a má experiência com Pinto Monteiro?
- Face à
experiência deste PGR e de todos os outros, e ao estado em que está o MP… temos
de ter alguém que aceite aquele núcleo fundamental de princípios do MP, um MP
democrático e não autocrático. Composto por magistrados autónomos,
hierarquicamente subordinados, e não outra visão que era a visão deste PGR, em
que todos os magistrados estariam ao serviço do PGR, que não seriam autónomos…
Tem de ser alguém que conheça muito bem o MP. Como último requisito, alguém que
goste verdadeiramente do MP.
-
Preferia que o próximo PGR fosse alguém do MP?
- Não
encontro ninguém fora do MP que corresponda a este perfil.
“Tribunal Constitucional passa por uma crise de
credibilidade”
-
Falando do sindicato, quais serão as suas primeiras iniciativas e os problemas
que devem ser resolvidos com mais urgência?
- Nesta
altura, a nossa grande preocupação é a reforma da organização judiciária. É
decisiva a médio e a longo prazo. Há muito a fazer, muito a mudar.
- E os
problemas? É a carreira?
- Há dois
problemas graves: por um lado a degradação do estatuto sócio-profissional dos
magistrados, por outro a questão das carreiras dos magistrados que estão
completamente bloqueadas.
- Deve
haver concursos e para que lugares?
- Nós
somos claramente defensores dos concursos para todos os lugares. O MP não é uma
instituição em que haja espaço para a confiança pessoal. Se há uma relação
hierárquica, não há necessidade de haver uma confiança pessoal. Os únicos
lugares que eu ressalvaria são o do vice-PGR – aí sim há uma relação de
confiança – e os procuradores distritais.
- Que
apreciação faz do trabalho da ministra da Justiça?
-
Reconheço-lhe, antes de mais, uma genuína preocupação em corrigir os
verdadeiros problemas da Justiça, vejo nela uma vontade sincera de corrigir
esses problemas. E isso é uma grande evolução face àquilo que sucedeu nas duas
legislaturas anteriores. Hoje encontramos essa vontade e lealdade.
- Que
comentário lhe merecem os nomes recentemente avançados para o Tribunal
Constitucional (TC)? Desiludiram-no?
- Alguns
sim. Não correspondem ao perfil que gostaríamos de ter no TC, que passa por uma
crise de credibilidade aos olhos dos portugueses. Nós precisamos para o TC de
pessoas com uma qualidade técnico-científica, jurídica, muito elevada.
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