A reforma do sistema legal português (2)
Em Portugal, o problema imediato são os interesses estabelecidos no seio da advocacia, e não a magistratura, integrada por pessoas diligentes, em geral honestas.
Nas últimas semanas, identifiquei os dois problemas fundamentais em Portugal: a falta de uma sociedade aberta e o estado do seu sistema legal. O professor Cooter, meu colega em Berkeley, e o professor Schaeffer, de Hamburgo, demonstram, no seu novo livro, intitulado “Solomon’s Knot”, que um sistema legal inoperante se traduz em riqueza para alguns e pobreza para a maioria. É provável que neste contexto os advogados protejam a cleptocracia e dissimulem a corrupção. Esta situação é geralmente associada aos países em desenvolvimento, mas constitui também uma mensagem para outros países, que sem uma reforma social e legal profunda se arrastarão de crise em crise. Portugal, tendo já sido alvo de três intervenções do FMI e da UE desde 1975, não está muito longe desta situação, e sem uma reforma profunda poderá acabar por ser governado por Bruxelas. Mas é extraordinário que ainda haja tantas pessoas que não querem ver esta realidade.
Os meus comentários sobre o sistema legal português têm merecido todas as atenções na blogosfera. Alguns terão entendido mal o que eu disse. Em Portugal, o problema imediato são os interesses estabelecidos no seio da advocacia, e não a magistratura, que é, tanto quanto me é possível avaliar, integrada por pessoas diligentes, em geral honestas, e cientes dos problemas. A única questão que se põe é o motivo por que os juízes não protestam mais. O funcionamento do sistema penal constitui outro exemplo. Refiro-me especialmente à fuga de informação dos órgãos de polícia criminal para a imprensa, enquanto o suspeito permanece sem sequer saber quais as acusações que lhe são imputadas. Na altura do caso Casa Pia, até o Conselho Europeu revelou interesse pelo assunto, foram enviados funcionários e formuladas algumas propostas, mas pouco foi alterado. Parece-me que em situações tão fundamentais quanto estas os juízes não deverão permanecer em silêncio.
A semana passada referi as medidas fundamentais necessárias ao saneamento do sistema legal, que afectarão em particular o sistema processual e a supervisão dos advogados. Estas medidas são urgentes. Não me restam dúvidas de que os melhores advogados apoiarão a reforma legal necessária para que o país possa prosperar, o que permitirá rapidamente separar o trigo do joio. Prestarão igualmente apoio às instituições académicas para que assumam o comando no domínio intelectual e das ideias. As melhores faculdades de Direito deverão estar à altura do desafio, revelando, no processo, que constituem as verdadeiras academias do Direito deste país. Na blogosfera, alguns comentários destacaram o facto de muitos professores se encontrarem em situações de conflito: um grande número destes docentes exerce a profissão e sente orgulho na sua capacidade de transmitir a realidade do exercício da mesma aos alunos. Isto representaria a perpetuação de um sistema desacreditado e impedi-los-ia de serem efectivos catalisadores de mudança. Seria desastroso para a reconstrução do sistema e para o futuro dos nossos estudantes, que ainda não tomaram completa consciência da situação e estão inadequadamente preparados para uma realidade que necessita de uma mudança por parte de todos. Só então haverá espaço para os mais novos.
Da mesma forma, também a posição da Ordem dos Advogados deverá ser repensada. Estou convencido que esta está ciente dos problemas reais, mas é geralmente forçada a actuar como uma espécie de sindicato, esmagada pelas queixas contra os seus membros. Também aqui deveria existir um sistema de ombudsman independente, com plenos poderes relativamente à maioria dos litígios e capacidade imediata de acção e de implementação de um sistema de pontos relativamente a sociedades de advogados e advogados prevaricadores, que seriam proibidos de exercer, durante um determinado período, caso reincidissem em transgressões. O registo de pontos deveria ser público.
Gostaria de terminar com uma breve nota pessoal. Tive o meu primeiro contacto com o direito português através do venerável professor Raul Ventura, autor do Código das Sociedades Comerciais, que muito me ensinou sobre Portugal e sobre Angola. Homem de elevados princípios, foi conselheiro de muitos, mas por nenhum se deixou ludibriar. Nunca torceu a lei em benefício próprio, desconfiava da advocacia e até dos seus colegas académicos. Não tenho qualquer dúvida de que ainda existem vários do seu calibre. Em tempos como os que agora vivemos, a liderança de homens como ele faz grande falta, não apenas pelo seu discernimento, mas pela sua figura exemplar e autoridade moral.
Jan Dalhuisen - Professor catedrático
Universidade da Califórnia (Berkeley), King’s College (Londres) e Universidade Católica Portuguesa (Lisboa)
ionline de 21-02-2012
Universidade da Califórnia (Berkeley), King’s College (Londres) e Universidade Católica Portuguesa (Lisboa)
ionline de 21-02-2012
2 comentários:
o Ilustre professor vem destacando com assombro o único problema da Justiça: os advogados.
é pena que generalize. ficamos com uma mão cheia de nada e outra sem coisa nenhuma. mas fica a ideia e as propostas de quem, há muito tempo, conhece uma FÓRMULA para acabar com a crise mundial:
http://industria.netfarma.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=1174&Itemid=50
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