O Mito dum juiz "omnisciente" - do juiz Hércules, como o denomina Habermas (ou, mais prosaicamente, do juiz "Hércules Poirot" na fórmula nacional de Damião da Cunha) -, que substituiria a actuação "amadora" da polícia e do Ministério Público na perseguição intransigente e oficiosa do crime e do criminoso, ainda continua presente entre nós. Ciclicamente, porventura mais fruto de inconfessadas concepções de poder do que de uma verdadeira reflexão científica, a questão renasce, em todo o seu esplendor.
No quadro de uma persistente reescrita inquisitória do nosso Código de Processo Penal, duas propostas recentes, de matriz autoritária, voltaram ao tema. Por um lado a possibilidade, subscrita pelo Governo, de o juiz de instrução criminal impor uma medida de coacção mais gravosa do que a proposta pelo Ministério Público; por outro lado a fixação de prazos peremptórios para o fim do inquérito, controlados pelo juiz de instrução criminal, propugnada pela Associação Sindical dos Juizes Portugueses.
Com elas fica (como um dia disse José Narciso da Cunha Rodrigues, também ele, geneticamente, um juiz), de novo, por resolver "uma questão que pertence ao imaginário colectivo: a dO Mito do herói. A imagem do juiz solitário, do juiz coragem, do juiz que com o seu único estatuto de independência e de vontade afronta os poderes oficiais e ocultos contraposta à do magistrado do Ministério Público sempre suspeito de instrumentalização por uma hierarquia ligada aos mecanismos tentaculares do aparelho de Estado. Para mim, que levo quase quatro anos de observação privilegiada na luta contra a criminalidade, devo confessar que esse mito me faz pensar... e sorrir. Definitivamente, esse, o dos mitos, não é o bom caminho...
João Conde Correia (Procurador da República)
Correio da Manhã de 06-02-2012
1 comentário:
Não posso deixar de concordar com esta posição. Iniciativas do tipo das pensadas, a par do que foi feita anteriormente com o segredo de justiça e os poderes do Juiz e Instrução, desequilibram a matriz do código de processo penal e do respectivo modelo, dificultando, de forma séria, a sua interpretação/aplicação harmoniosa.
No que se refere aos prazos peremptórios para a realização de inquéritos é grande a minha estupefacção: o que resta para a prescrição: deixa de operar antes de ocorrer?
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