terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Magistrados do MP criticam lei de política criminal

O diagnóstico é consensual no Ministério Público: a lei das prioridades na investigação criminal não resolveu nada. O diploma, que é revisto de dois em dois anos, é do tempo do ministro da Justiça, Alberto Costa, e foi apresentado como um instrumento decisivo para dar mais eficácia no combate ao crime. “Não é uma verdadeira lei de política criminal, nem permite que alguém responda pelas prioridades na justiça”, diz Maria José Morgado, coordenadora do Departamento de investigação e Acção Penal de Lisboa.
Para Maria José Morgado as verdadeiras prioridades estão em processos de presos e em risco de prescrição criminal. No mesmo sentido vai o procurador distrital de Coimbra, Euclides Dâmaso. “A lei fixou um leque de prioridades de tal modo vasto que, na expressão eloquente de Costa Andrade, enfermou com Jano de dupla face: quer tudo e o seu contrário”
As opiniões destes magistrados ao inquérito que iniciamos hoje, com as respostas do magistrado António Cluny (ver texto nesta página), serão publicadas integralmente nas próximas edições do Correio da Manhã.
1. A lei de política criminal trouxe algum benefício? 2 Depois de um ciclo de desconfiança entre o poder político e o MP estão restabelecidas as relações próprias de um quadro de separação de poderes? 3 Concorda com as equipas especiais? 4 O modelo de MP vigente dá resposta às necessidades da investigação criminal? 5 A falta de uniformidade na actuação do MP reflecte uma falta de liderança desta magistratura?
1 Para que uma lei deste tipo pudesse ter algum efeito concreto era necessário que ela fosse também pensada como uma lei de meios e pudesse ter influência na estruturação e apetrechamento dos departamentos do MP.
2. Só com uma redefinição corajosa do Estatuto do MP, que concilie a estrutura desta magistratura com as exigências constitucionais, em termos de autonomia e eficiência, será possível ultrapassar os ciclos que resultam das interpretações subjectivas desse relacionamento e dos casos judiciais, políticos e mediáticos que se forem sucedendo.
3. O que importa é reestruturar o MP de maneira a que este possa responder, em cada momento, com qualidade e eficiência aos desafios sociais que surgem. Isso depende de vários factores: de uma sedimentação e estruturação adequada das diversas procuradorias e departamentos territoriais e especializados do MP; de uma especialização departamental hierárquica por áreas da intervenção do MP; de uma verdadeira especialização e de um recrutamento dos melhores magistrados, tendo por base critérios de escolha dos melhores e mais bem preparados e não de critérios pessoais.
4. Obviamente que não dá. E não dá apenas no que respeita à investigação criminal. Tem-se perdido, a esse respeito, demasiado tempo em discussões impróprias e querelas fúteis.
5. O MP não é uma equipa de futebol, uma unidade económica ou uma organização social programática. O MP é uma instituição republicana e tem de funcionar bem, independentemente de quem, em cada momento, formal ou informalmente, queira ou julgue ser o seu líder. Recordo que o MP esteve, em tempos, largo período sem um responsável máximo e continuou a funcionar com regularidade e sem escândalo. O que o MP precisa é de organização adequada, eficiente e profissional das suas Procuradorias, dos seus departamentos e de meios ajustados às suas funções. Precisa, também, de preparação, especialização e responsabilização clara. Precisa de um acompanhamento e, eventualmente, de condução pessoal dos processos e julgamentos mais complexos e socialmente mais relevantes por uma hierarquia com competências e responsabilidades processuais, e não de pura gestão. Mais responsabilização pessoal pelos processos ao longo das diferentes fases, menos diluição de responsabilidades em estruturas indefinidas e organicamente não previstas e melhor recorte de regras processuais aplicáveis aos magistrados que devam intervir nos processos permitirão, por certo, melhores resultados. O MP precisa, ainda, como se disse, de uma carreira estimulante em que os melhores e os que mais trabalham possam ser conduzidos aos lugares de maior responsabilidade e em que se abandonem métodos de gestão fulanizada que só conduzem à desresponsabilização dos titulares dos cargos e dos processos. Uma estrutura hierárquica eficiente não depende de um líder, mas de uma estrutura profissional.
Ana Luísa Nascimento
Correio da Manhã de 28-02-2012

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