Desmotivação e críticas dos operadores judiciários marcam arranque do ano judicial e afectam aplicação das reformas. Reformas na Justiça impostas pela 'troika' não terão efeitos este ano.
As reformas que o ano passado a 'troika' exigiu ao Ministério da Justiça, e que, em alguns casos, já estão no papel, não terão efeitos práticos em 2012. Um ano em que os operadores judiciários, desde juizes a procuradores, passando por advogados e funcionários judiciais, estão a trabalhar com "desmotivação", fruto das sucessivas alterações à legislação e à reorganização judiciária, bem como da quebra do investimento no sector (o orçamento da Justiça sofreu um corte de 134 milhões de euros).
É neste clima de transição emque Paula Teixeira da Cruz volta a mexer em áreas que tinham sido alvo de reformas recentes - que as figuras de topo da Justiça se reúnem, hoje, no Supremo Tribunal de Justiça, para a cerimónia de abertura de mais um ano judicial.
E se é verdade que a 'troika' apontou baterias (entre outras áreas) à Justiça - para a tornar um instrumento a favor da economia -, é também certo que os efeitos das reformas que impôs não se esperam para já. Muitas das principais reformas só passarão pelo crivo do Parlamento a meio deste ano, como é o caso das alterações ao Código de Processo Civil (que mexe nas acções de cobrança de dívidas) e do novo Mapa Judiciário, e o presidente da Associação Sindical dos Juizes, António Martins, não tem dúvidas: "Não espero que na Justiça mude alguma coisa de significativo em 2012." O ano passado, Cavaco tinha pedido que fosse urgentemente criada uma "Justiça da crise", mas também Fernando Jorge, que preside ao Sindicato dos Funcionários da Justiça, não tem dúvidas em afirmar que não será em 2012 e que, ao contrário, "as reformas que estão em cima da mesa só vão agravar a crise."
O sindicalista reitera que "só daqui a dois anos é que a reforma do Código de Processo Civil" terá efeitos no terreno. E desmistifica a reorganização judiciária anunciada no final da semana passada pelo Ministério da Justiça: "O novo Mapa Judiciário vai agravar a crise e os efeitos ao nível da gestão não se farão sentir nem em 2013." O líder dos funcionários judiciais avisa que "as pessoas estão desmotivadas" porque o "Governo está a apertar o garrote a quem trabalha".
Ao Diário Económico, Francisco Martins deixa o mesmo alerta: "A desmotivação é tão grande que seria preciso arranjar uma química diferente e isso só se conseguiria indo ao terreno e envolvendo as pessoas." O que, lamenta o juiz desembargador, não está a acontecer em muitos casos. O mais paradigmático, critica Francisco Martins, verificou-se com o novo Mapa Judiciário (que acaba com 47 tribunais), delineada, diz o magistrado, dentro de um gabinete, sem "se descer ao terreno". Cavaco Silva fez deste ponto, aliás, um cavalo-de-batalha nas intervenções que fez nas últimas cinco cerimónias. O Presidente tem avisado sucessivamente o vários ministros da Justiça de que não é possível fazer reformas sem ouvir quem trabalha no terreno. "As pessoas estão cansadas de sucessivas reformas cujo efeito é nulo", remata António Martins, para quem a medida mais urgente a tomar pela ministra devia ser a de "começar a construir uma cultura de sentar à mesa todos os operadores".
Em relação aos advogados, o clima é de total crispação. Marinho Pinto abriu 'guerra' com Paula Teixeira da Cruz e a ministra, por causa de alegadas fraudes no sistema de apoio judiciário, fez queixa de vários advogados à Procuradoria Geral da República - cujo líder, Pinto Monteiro, que termina mandato este ano, não mantém, também, as melhores relações com a ministra.
Inês David Bastos
Diário Económico de 31-01-2012
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