quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Novo crime anticorrupção pode chumbar


Os três projectos para criminalizar o enriquecimento ilícito aprovados na generalidade pelo Parlamento terão de ser alterados, no debate da especialidade, sob pena de serem declarados inconstitucionais.
PSD, CDS, PCP e BE não conseguiram superar a regra consagrada na Constituição da República que protege o arguido de ter de provar a sua inocência, diz o penalista Magalhães e Silva. Ou seja, os partidos cometem o ‘pecado legal’ da chamada inversão do ónus da prova. «É inconcebível que o Tribunal Constitucional permitisse a condenação penal com base em qualquer dos projectos», sublinhou ao SOL o penalista.
Vital Moreira, um dos mais respeitados constitucionalistas portugueses, actualmente eurodeputado pelo PS, é lapidar na avaliação negativa dos projectos: «Na Inquisição é que os acusados tinham de provar a sua inocência, e não os acusadores». As dúvidas de constitucionalidade vêm de todos os quadrantes.
Magalhães e Silva, dois dias depois da aprovação da lei na generalidade, fez um «Aviso à Navegação», título da sua crónica no Correio da Manhã. Congratulando-se com a aprovação da lei na generalidade logo acrescenta: «É apenas um primeiro passo». Agora «exige-se humildade republicana» para «cada partido prescindir» dos elementos que podem fazer o projecto «violar o princípio da presunção da inocência». Se não o fizerem, diz Magalhães e Silva, a Assembleia terá obtido «uma vitória efémera».
O advogado de Direito Penal faz uma advertência final: «Estão à espreita todos os que (…) confiam na manutenção de algumas irregularidades dos projectos aprovados na generalidade para ganharem a batalha». Dito de outro modo: há quem saiba que os projectos, depois de baixarem à comissão, se não forem alterados, serão inofensivos. Alguém acusado do crime de enriquecimento ilícito terá no Tribunal Constitucional a garantia de que não será condenado. Porque a lei está mal feita.
A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, foi uma grande impulsionadora da criminalização do enriquecimento ilícito, embora o projecto seja assinado pelo PSD e pelo CDS. Ao que o SOL apurou, Teixeira da Cruz empenhou-se em ultrapassar resistências no seu próprio partido e segue com atenção o processo.
Mas o projecto assinado pelos líderes parlamentares Luís Montenegro (PSD) e Nuno Magalhães (CDS) incorre «numa violação clara do princípio da presunção de inocência», assegura Magalhães e Silva.
‘Irreformável’, diz Vital
Vital Moreira acha que o trabalho de comissão (a discussão na especialidade) nada pode perante os vícios constitucionais. «Não vejo como é que pode dar-se a volta aos projectos de punição de enriquecimento ilícito. Não há crimes presumidos», diz ao SOL.
Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS, considera que a questão da constitucionalidade foi ultrapassada com as alterações entretanto introduzidas à proposta original do PSD. Para o deputado, o actual documento «procura evitar conceitos indeterminados, objectivar a incriminação e defende a presunção de inocência ao prever que o Ministério Público tem de provar o crime».
Ainda assim, na bancada do CDS subsistem dúvidas. «Não podemos dizer, com honestidade, que todas as hesitações e dúvidas que colocámos no passado foram respondidas de forma inequívoca», refere a declaração de voto entregue por vários deputados centristas, que sublinham, no entanto, a melhoria do projecto. Nuno Magalhães diz que o CDS está disponível para alterações.
As reservas ao projecto estendem-se ao PSD. Paulo Mota Pinto, deputado social-democrata que já foi juiz do TC afirma que os projectos aprovados lhe «suscitam sérias dúvidas, quer no plano da sua conformidade constitucional, quer no da conveniência político criminal».
Já o constitucionalista e ex-deputado do PSD Bacelar Gouveia defende que a proposta não ofende o princípio da presunção de inocência: «Não acho que seja inconstitucional. O ónus da prova fica no Ministério Público».
Manuel A. Magalhães e Susete Francisco
Sol (on line) 4 de Outubro de 2011

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