segunda-feira, 11 de julho de 2011

Não vai ser nada fácil mudar seja o que for na Justiça

Escrever direito

Não vai ser nada fácil mudar seja o que for na Justiça

Não é só a dívida portuguesa que é “lixo”, muitos devedores também o são, tornando difíceis ou impossíveis as cobranças

Os objectivos para a Justiça que constam do Memorando de Entendimento com a troika não levantam grande polémica, podendo mesmo dizer-se que são consensuais, dado o seu carácter genérico. É certo que visam, acima de tudo, resolver as questões do impacto do mau funcionamento da justiça na qualidade da nossa economia e não na qualidade da nossa democracia. Mas parece que, se a economia não funcionar, a democracia também não estará nas melhores condições.

A redução da lentidão do sistema judicial - que, importa sublinhar, não é generalizada, antes se concentrando em determinados tipos de acções e em determinados tribunais - é um dos objectivos fundamentais onde se joga a credibilidade do Governo e das reformas que vão ser introduzidas. É uma questão que implica a tomada de decisões de fundo e não meramente simbólicas ou exemplares, ainda que estas também sejam necessárias.

As execuções, como é sabido, são o “cancro” do sistema. Actualmente um cidadão comum, depois de ganhar uma causa e de ver a parte contrária condenada a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos que lhe causou, por exemplo, com o incumprimento de um contrato, vai muito provavelmente penar anos até conseguir, se é que alguma vez o conseguirá, receber o que lhe é devido. Um senhorio que tenha um inquilino há meses sem lhe pagar a renda e que pretenda o seu despejo vai ter que esperar muitos mais meses, ou mesmo anos, para receber a casa devoluta e, quanto às rendas em atraso, provavelmente, nunca as receberá. Sendo que é necessário intentar duas execuções diferentes para conseguir os seus objectivos, uma para cobrar as rendas em atraso e outra para recuperar a casa, com processualismos e custos distintos!

Não é só a dívida portuguesa que é “lixo”, muitos devedores também o são, tornando muito difíceis ou mesmo impossíveis as cobranças, independentemente do bom ou mau funcionamento dos tribunais, mas ninguém duvida que a privatização parcial da Justiça, com a entrega das execuções a solicitadores, transformou numa “lixeira” toda essa fase processual em que a única coisa certa, para o comum dos cidadãos, é o pagamento das provisões aos mesmos solicitadores. Sem prejuízo, naturalmente, de se reconhecer a existência de excelentes e empenhados solicitadores, mas que não me parecem ser a maioria…

Anunciou, há dias, a titular da pasta da Justiça que deixará de haver uma acção especial para dar cumprimento à sentença proferida pelo tribunal, uma vez que este se encarregará ele próprio de obrigar ao cumprimento daquilo que decidiu. Uma excelente medida, sem dúvida, mas que para ser exequível implica que o tribunal tenha meios humanos e materiais para prosseguir com a cobrança.

Parece-me que a melhor forma de o fazer é canalizar as verbas que são actualmente entregues aos solicitadores, para os funcionários judiciais que executassem essas tarefas. Se parece pouco curial que se pague mais aos juízes por produzirem mais, não vejo que haja qualquer obstáculo a que haja pagamento de horas extraordinárias aos funcionários que efectivamente as prestem com resultados.

Uma das razões do desespero dos funcionários judiciais que se esforçam e trabalham (e, a certa altura, deixam de o fazer) é a falta de incentivos e a falta de diferenciação remuneratória entre quem trabalha muito e quem se limita a cumprir o horário.

Parece-me que não seria impossível arranjar uma forma justa e equitativa de distinguir quem mais trabalha e produz, nomeadamente através dos gestores dos tribunais que olhassem para a questão, em concreto em cada tribunal, numa óptica de produtividade e eficácia.

Por outro lado, como já aqui referimos, torna-se essencial saber o que é que afunda os tribunais, definir critérios quantitativos e qualitativos que permitam acender luzes amarelas e vermelhas, que sinalizem riscos e tragédias de forma a permitir a tomada de medidas que, em concreto, as resolvam.. Não tenho dúvidas de que a grande maioria dos juízes portugueses trabalha muito e não teria quaisquer problemas com a definição destes critérios, mas adivinho que tal medida, que permitiria controlar, em concreto, o funcionamento quantitativo dos tribunais, será combatida com a bandeira da “independência dos juízes”.

Se o Conselho Superior da Magistratura fosse um órgão ao serviço dos cidadãos, de efectivo controle do funcionamento da Justiça, preocupado com a sua eficácia e com o seu correcto desempenho, seria o órgão naturalmente vocacionado para estas tarefas. Mas, por múltiplas razões e independentemente das excelentes pessoas que por lá vão passando ou lá estão, não é. A ver vamos as reformas neste domínio, sendo evidente a necessidade de alterar a lei que determina que o presidente deste órgão seja o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, já que não se deve ser fiscalizador e fiscalizado ao mesmo tempo!

No campo criminal, parece-me ter uma excelente potencialidade para melhorar a qualidade da nossa justiça penal a longo prazo, a anunciada medida de o procurador do Ministério Público que conduz o inquérito e deduz acusação ser o mesmo procurador que defende a acusação em julgamento. A desresponsabilização que actualmente existe na actuação dos procuradores que não têm que se preocupar com o destino das acusações que deduzem não é de molde a incentivar a melhoria da qualidade das investigações e das acusações.

Não obstante existirem diversas medidas justas anunciadas, como o combate à corrupção, uma coisa é certa: não vai ser nada fácil mudar seja o que for na Justiça e o estado de graça não irá durar muito… Advogado (ftmota@netcabo.pt)

Público, 9 de Julho de 2011

Francisco Teixeira da Mota

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