RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - PRISÃO PREVENTIVA - INDEMNIZAÇÃO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO - PRISÃO PREVENTIVA ILEGAL - ERRO GROSSEIRO - PRINCÍPIO DA IGUALDADE - PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - ABSOLVIÇÃO EM JULGAMENTO
1. O art. 225º do CPP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, não é aplicável aos casos de prisão preventiva ocorridos antes da entrada em vigor deste diploma, não sendo de aplicar, para resolver a questão, a norma do art. 5º do CPP, que rege sobre a aplicação da lei processual penal no tempo.
2. Isto porque o art. 225º, apesar de inserido num diploma de carácter adjectivo, assume natureza eminentemente substantiva; e, estabelecendo o regime da indemnização cível por danos causados pelo Estado a qualquer pessoa, no exercício da função jurisdicional, é verdadeiramente uma regra de direito privado comum ou civil, uma norma sobre a responsabilidade civil extracontratual, sendo a sua aplicação no tempo definida pelas regras do art. 12º do Cód. Civil.
3. A inexistência de indícios bastantes para integrar o conceito legal de «fortes indícios», exigido, além doutros requisitos, para que a prisão preventiva possa ser decretada, configura – se a prisão preventiva for decretada – uma ilegalidade, e o despacho que a decreta é ilegal, não sendo o erro (grosseiro ou não) o vício que o inquina. Todavia, para fundar o direito à indemnização, nos termos do n.º 1 do art. 225º do CPP (redacção anterior à introduzida pela Lei 48/2007), não basta a ilegalidade da prisão preventiva: exige-se que tal ilegalidade seja manifesta, tendo em conta as circunstâncias em que foi aplicada, pelo que, em tal situação, também só a manifesta inexistência de «fortes indícios» confere direito a indemnização.
4. No n.º 2 do art. 225º prevê-se o caso de prisão preventiva legal, mas que posteriormente veio a verificar-se ser total ou parcialmente injustificada, por erro grosseiro – ou seja, por erro escandaloso, crasso ou palmar, que procede de culpa grave do errante – na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
5. O erro grosseiro na aplicação da prisão preventiva tem de ser apreciado à luz de um juiz de médio saber, razoavelmente cauteloso e ponderado na valoração dos pressupostos de facto invocados como fundamento desta.
6. O princípio constitucional da igualdade reconduz-se à proibição do arbítrio e da discriminação, postulando que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual a situações de facto desiguais e, inversamente, proibindo que se tratem desigualmente situações iguais e de modo igual situações iguais. Tal princípio não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.
7. O princípio da presunção de inocência, igualmente com assento constitucional, constituindo uma regra de tratamento a dispensar ao arguido ao longo do processo, não briga com a aplicação e manutenção da prisão preventiva.
8. O juízo sobre o erro grosseiro na valoração dos pressupostos de facto determinantes da prisão preventiva, a formular em momento posterior, tem por base os factos, elementos e circunstâncias que ocorriam na ocasião em que esta foi decretada ou mantida.
9. E o facto de o arguido sujeito a prisão preventiva legalmente decretada vir a ser posteriormente absolvido em julgamento, por não provados os factos que lhe eram imputados, é, por si só, insusceptível de revelar a existência de erro grosseiro por parte de quem decretou a aludida medida de coacção, e, por isso, não implica, só por si, a possibilidade de indemnização nos termos do art. 225º/2 do CPP.
10. Dizendo-se, no acórdão penal absolutório, que “não resulta dos factos provados que os arguidos, ou qualquer deles, tenham ateado fogo ou provocado incêndio”, e que, por isso, vão absolvidos dos crimes que lhes eram imputados, a absolvição é, no caso, decorrência do princípio in dubio pro reo: não se provar que praticaram os factos não significa que os não tenham praticado.
11. O art. 22º da Constituição parece não abranger a chamada responsabilidade por actos lícitos – o que excluiria a sua aplicação a casos em que foi aplicada prisão preventiva, de forma legal, mas em que, a final, ocorreu absolvição.
12. Mas, a não ser assim, então é certo que tal preceito consagra genericamente um direito a indemnização por lesão de direitos, liberdades e garantias, enquanto o n.º 5 do art. 27º tem um domínio especial ou específico de aplicação, consagrando expressamente o princípio de indemnização de danos nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade, o que representa o alargamento da responsabilidade civil do Estado a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, para além do clássico erro judiciário.
13. Assim, no domínio da responsabilidade civil do Estado, o art. 22º regula essa responsabilidade, em geral, e o art. 27º, n.º 5 regula-a para a situação específica de «privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei»; e a relação de especialidade em que o art. 27º, n.º 5 se encontra, no confronto com o art. 22º, conduz a que este não seja invocável no âmbito do campo de intervenção daquele.
1. O art. 225º do CPP, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, não é aplicável aos casos de prisão preventiva ocorridos antes da entrada em vigor deste diploma, não sendo de aplicar, para resolver a questão, a norma do art. 5º do CPP, que rege sobre a aplicação da lei processual penal no tempo.
2. Isto porque o art. 225º, apesar de inserido num diploma de carácter adjectivo, assume natureza eminentemente substantiva; e, estabelecendo o regime da indemnização cível por danos causados pelo Estado a qualquer pessoa, no exercício da função jurisdicional, é verdadeiramente uma regra de direito privado comum ou civil, uma norma sobre a responsabilidade civil extracontratual, sendo a sua aplicação no tempo definida pelas regras do art. 12º do Cód. Civil.
3. A inexistência de indícios bastantes para integrar o conceito legal de «fortes indícios», exigido, além doutros requisitos, para que a prisão preventiva possa ser decretada, configura – se a prisão preventiva for decretada – uma ilegalidade, e o despacho que a decreta é ilegal, não sendo o erro (grosseiro ou não) o vício que o inquina. Todavia, para fundar o direito à indemnização, nos termos do n.º 1 do art. 225º do CPP (redacção anterior à introduzida pela Lei 48/2007), não basta a ilegalidade da prisão preventiva: exige-se que tal ilegalidade seja manifesta, tendo em conta as circunstâncias em que foi aplicada, pelo que, em tal situação, também só a manifesta inexistência de «fortes indícios» confere direito a indemnização.
4. No n.º 2 do art. 225º prevê-se o caso de prisão preventiva legal, mas que posteriormente veio a verificar-se ser total ou parcialmente injustificada, por erro grosseiro – ou seja, por erro escandaloso, crasso ou palmar, que procede de culpa grave do errante – na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
5. O erro grosseiro na aplicação da prisão preventiva tem de ser apreciado à luz de um juiz de médio saber, razoavelmente cauteloso e ponderado na valoração dos pressupostos de facto invocados como fundamento desta.
6. O princípio constitucional da igualdade reconduz-se à proibição do arbítrio e da discriminação, postulando que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual a situações de facto desiguais e, inversamente, proibindo que se tratem desigualmente situações iguais e de modo igual situações iguais. Tal princípio não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.
7. O princípio da presunção de inocência, igualmente com assento constitucional, constituindo uma regra de tratamento a dispensar ao arguido ao longo do processo, não briga com a aplicação e manutenção da prisão preventiva.
8. O juízo sobre o erro grosseiro na valoração dos pressupostos de facto determinantes da prisão preventiva, a formular em momento posterior, tem por base os factos, elementos e circunstâncias que ocorriam na ocasião em que esta foi decretada ou mantida.
9. E o facto de o arguido sujeito a prisão preventiva legalmente decretada vir a ser posteriormente absolvido em julgamento, por não provados os factos que lhe eram imputados, é, por si só, insusceptível de revelar a existência de erro grosseiro por parte de quem decretou a aludida medida de coacção, e, por isso, não implica, só por si, a possibilidade de indemnização nos termos do art. 225º/2 do CPP.
10. Dizendo-se, no acórdão penal absolutório, que “não resulta dos factos provados que os arguidos, ou qualquer deles, tenham ateado fogo ou provocado incêndio”, e que, por isso, vão absolvidos dos crimes que lhes eram imputados, a absolvição é, no caso, decorrência do princípio in dubio pro reo: não se provar que praticaram os factos não significa que os não tenham praticado.
11. O art. 22º da Constituição parece não abranger a chamada responsabilidade por actos lícitos – o que excluiria a sua aplicação a casos em que foi aplicada prisão preventiva, de forma legal, mas em que, a final, ocorreu absolvição.
12. Mas, a não ser assim, então é certo que tal preceito consagra genericamente um direito a indemnização por lesão de direitos, liberdades e garantias, enquanto o n.º 5 do art. 27º tem um domínio especial ou específico de aplicação, consagrando expressamente o princípio de indemnização de danos nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade, o que representa o alargamento da responsabilidade civil do Estado a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, para além do clássico erro judiciário.
13. Assim, no domínio da responsabilidade civil do Estado, o art. 22º regula essa responsabilidade, em geral, e o art. 27º, n.º 5 regula-a para a situação específica de «privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei»; e a relação de especialidade em que o art. 27º, n.º 5 se encontra, no confronto com o art. 22º, conduz a que este não seja invocável no âmbito do campo de intervenção daquele.
AcSTJ de 11.08.2008, proc. n.º 1747/08, Relator: Cons. Santos Bernardino
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