Houve tempos em que à mulher de César não bastava ser honesta, tinha também que parecê-lo. Hoje nem César nem a mulher precisam de ser honestos, basta que pareçam honestos. Ou menos: basta que não se possa provar que são desonestos.
É um dos aspectos daquilo que convencionou chamar-se de judicialização da vida política e social, a substituição da ideia de verdade material pela (pós-moderna q.b.) de simulacro, como é a noção de verdade formal típica do Direito.
É assim que toda a gente honesta que para aí anda, da banca & negócios à política e ao futebol, se tornou de repente especialista em meios de prova e recita versículos do CPP como um "mullah" recita o Corão. Alguém foi apanhado numa escuta a combinar uma trafulhice? Não basta para ser desonesto.
Para isso, é preciso ainda que não haja algures uma alínea que permita fazer de conta que o que foi dito não foi dito, mantendo devidamente limpa a consciência de quem disse mas é "como se" não tivesse dito.
O complexo formalismo do Direito substitui hoje com vantagem o método tradicional de ter a consciência limpa, que era o de não lhe dar uso.
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Manuel António Pina, Jornal de Notícias, 7Jul08
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