[...] Em 13 de Dezembro de 1642, uma lei proíbe o acesso de analfabetos às magistraturas ordinárias. Fosse como fosse, a esmagadora maioria dos juízes ordinários continuou a ser constituída por pessoas não iniciadas no direito, pois as fracas rendas do cargo não o tornavam atraentes para letrados; e são, de facto, neste sentido alguns testemunhos ulteriores, já da última fase do Antigo Regime ou mesmo do período liberal.
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Emblemático será o caso de Assequins, pequeno concelho da comarca de Esgueira, que, em 1731, porfia na eleição de um juiz analfabeto, ponderando que, doutro modo, a judicatura cairia na mão dos que sabiam ler "que se farião poderosos e soberbos". É que, neste mundo de "lavradores e seareiros" que não sabiam ler nem podiam aprender "por andarem ocupados na lavoura", as letras dão um poder temido, fonte de falsidades e extorsões. Poder de que é paradigmático o dos escrivões, em cujas mãos repousava a "fazenda, honra, e vida dos homens" e que, nesta época, concitam tanta animosidade, que, durante os tumultos de 1637, os seus cartórios são queimados. [...]
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Antonio Manuel Hespanha, As Vésperas do Leviathan - Instituições e Poder Político Portugal - Séc. XVII, Livraria Almedina, 1994
Antonio Manuel Hespanha, As Vésperas do Leviathan - Instituições e Poder Político Portugal - Séc. XVII, Livraria Almedina, 1994