«Que nos impressiona nestes factos [homicídio da transexual Gisberta]? A aparente indiferença aos aspectos éticos dos problemas, embora mostrem que [os jovens das Oficinas de S. José] tinham a noção de que, de um ponto de vista social, há comportamentos considerados bons e outros considerados maus. Segundo os professores da escola, a questão reside no facto de que "não têm percepção da diferença entre o real e a ficção". O problema não é apenas este. O pior é que o real molda a ficção com as suas piores tendências. São conhecidas as duas grandes orientações que dominam estas análises. Por um lado, considera-se que as imagens de violência têm uma função catártica: quem as vê fica mais leve das suas próprias pulsões e isso faz-lhe bem. Mas também existem os que legitimamente pensam que essas imagens têm um efeito indutor que potencializa o que há de pior na natureza humana (embora pudessem fazer precisamente o contrário). Neste caso, ver televisão pode ser por vezes profundamente negativo. Mas, quanto a mim, há um terceiro factor a ter em conta: a questão da música (e do corpo dançado). As festas, com grupos rock que provocam um exacerbamento dos sentidos e o mergulhar numa experiência colectiva de tipo oceânico, em que a divisão entre o eu e o outro se desvanece: a indiferença perante o risco de morrer (...), o modo como se organizam em "gangs", tudo isto multiplica as "cidades de deus" de que falava o filme de Fernando Meirelles. Ora as discotecas, com a sua violência nocturna, são pequenas festas deste tipo em que se mergulha todos os dias. Há uma pergunta que nos atravessa e horroriza: como foi possível ir tão longe na experiência do vazio? »
Eduardo Prado Coelho, Público, 1Mar06
Eduardo Prado Coelho, Público, 1Mar06
Sem comentários:
Enviar um comentário