A cronologia dos factos parece óbvia e ingénua. Pede-se à Portugal Telecom o registo do tráfego telefónico de um determinado número num determinado período de tempo e a Portugal Telecom, benemérita e eficaz, responde com a indicação do tráfego de outros tantos números em outros dilatados períodos de tempo. Durante uns meses, largos, ou anos, poucos, ninguém deu por nada, e o registo por lá ficou, sem peso específico no processo já que era discretamente virtual. Não será de admirar se não se ignorar a incultura militante da maioria dos magistrados no labirinto da informática. Após aturada, sem ironia, investigação jornalística, descobriu-se que o gesto benemérito da Portugal Telecom incorporava a vida telefónica de altos dirigentes do Estado, podendo-se, quase, a partir desses elementos, reconstituir o seu dia-a-dia. O Senhor Presidente da República, com razão, zangou-se, e, logo pelas 7 horas e 30 minutos, deu em convocar, dramaticamente, o Senhor Procurador-Geral da República, o qual prometeu investigação rápida não se sabe bem sobre o quê. Nos entretantos, a Portugal Telecom cultivou a sabedoria de um prudente silêncio, só quebrado pela resposta hostil ao assalto do Engenheiro Belmiro. O que, hoje, a investigação prossegue é a prova dos nove de elementos que não deveriam estar, mas estão, com certeza à revelia incompetente de quem, na ignorância, os acolheu. É uma prova frágil em redor de um envelope, do seu conteúdo, e do respectivo uso ou desuso. Mas é de ciência certa que a dita prova não é, matematicamente, suficiente, nem, politicamente, determinante. O que está por contabilizar é a prova real do lado obscuro de uma estória sobre a (in)segurança do Estado e a (des)protecção dos seus dirigentes. O que está por explicar é como um qualquer funcionário, à distância de uma tecla, obtém o quotidiano telefónico dos Senhores Presidentes ou dos Senhores Ministros, sem qualquer controlo aparente. É ao Governo que cabe esta prova, mais que não seja para dar um sentido útil à golden share que detém, ainda, na Portugal Telecom. O tráfego telefónico de pessoas ou instituições pelas quais passam, pela ordem natural das suas funções, assuntos de Estado, integra alguma base de dados específica? Ou tem um tratamento idêntico ao do utilizador comum? O acesso àquela, a existir, está condicionado por especiais normas de segurança? Quem e em que condições tem acesso às ditas e para que fins? E estão disponíveis durante quanto tempo? É garantido que os elementos que foram ter ao envelope 9 não poderiam ir parar a qualquer outra pasta? A qualquer outro serviço? Todos sabemos, no tempo que passa, que a Procuradoria-Geral da República tem as culpas, todas as culpas, deste mundo e do outro, mas que as desculpas, neste caso, pertencem ao Governo por via dos poderes que lhe cabem e do Dr. Horta e Costa de que dispõe.
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