«Está em marcha uma avançada do poder do Estado em nome da nossa protecção. [...] Mas quem nos protege dos danos causados pelo Estado?
A querela do momento (ou a de sempre?), dentro e fora de portas, é a dos limites da liberdade e da segurança. O episódio dos ‘cartoons’ inflamou o debate que já estava em curso, com a particularidade de revelar que muitos dos que defendem acerrimamente a liberdade de expressão na arena internacional são os mesmos que se têm confessado compreensivos com medidas de limitação individual na ordem interna dos Estados Ocidentais.
Em Inglaterra, pátria de John Locke, o Governo de Blair prossegue a sua batalha parlamentar para que seja introduzido um bilhete de identidade nacional obrigatório para todos os cidadãos, ao mesmo tempo que aprova a proibição de fumar em todos os locais públicos, incluindo todos os PUBs e clubes privados. Por cá, se a regra em relação ao fumo continua a ser relativamente liberal ou em alguns casos simplesmente a não ser cumprida, em matéria de registo central dos indivíduos ninguém nos dá lições. Se a burocracia vigente nos inferniza a vida, crie-se um documento único para cada cidadão. Se a constituição proíbe expressamente que nos codifiquem, qual produto de prateleira no supermercado, com um número único, o Governo propõe então um único cartão com vários números.
Agora, segundo foi amplamente noticiado, a Unidade de Missão para a Reforma do Código Penal, coordenada por Rui Pereira, prepara-se para apresentar uma proposta de alteração ao Código Penal, de forma a punir os jornalistas por “crime de perigo” dos danos eventualmente causados por divulgação de matérias em segredo de justiça. Não querendo ficar atrás, o Bloco de Esquerda, pela voz de Ana Drago, anunciou que vai propor a “punibilidade dos órgãos de comunicação social pela violação do segredo de justiça”, para que a responsabilidade recaia sobre as empresas de comunicação social e não sobre os jornalistas. Sem querer entrar na disputa, e com a devida vénia, apenas poderemos classificar as duas propostas como de igualmente insensatas e perigosas. Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos e, ao que diz a História, o homem que redigiu o texto da Declaração de Independência, resolveu a questão assim: “Se pudesse decidir se devemos ter um Governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último.”
Passados duzentos anos, parece que ainda não aprendemos. Está em marcha uma avançada do poder do Estado em nome da nossa protecção. O Governo quer zelar pela nossa saúde adoptando medidas que visam combater os malefícios do tabaco, sobre o qual cobra impostos, da burocracia, que ele próprio criou, do terrorismo internacional e do mau jornalismo. Mas quem nos protege dos danos causados pelo Estado? Sim, viver em democracia acarreta riscos e ameaças, mas nenhum deles é comparável ao perigo de um Governo com poder absoluto.
A querela do momento (ou a de sempre?), dentro e fora de portas, é a dos limites da liberdade e da segurança. O episódio dos ‘cartoons’ inflamou o debate que já estava em curso, com a particularidade de revelar que muitos dos que defendem acerrimamente a liberdade de expressão na arena internacional são os mesmos que se têm confessado compreensivos com medidas de limitação individual na ordem interna dos Estados Ocidentais.
Em Inglaterra, pátria de John Locke, o Governo de Blair prossegue a sua batalha parlamentar para que seja introduzido um bilhete de identidade nacional obrigatório para todos os cidadãos, ao mesmo tempo que aprova a proibição de fumar em todos os locais públicos, incluindo todos os PUBs e clubes privados. Por cá, se a regra em relação ao fumo continua a ser relativamente liberal ou em alguns casos simplesmente a não ser cumprida, em matéria de registo central dos indivíduos ninguém nos dá lições. Se a burocracia vigente nos inferniza a vida, crie-se um documento único para cada cidadão. Se a constituição proíbe expressamente que nos codifiquem, qual produto de prateleira no supermercado, com um número único, o Governo propõe então um único cartão com vários números.
Agora, segundo foi amplamente noticiado, a Unidade de Missão para a Reforma do Código Penal, coordenada por Rui Pereira, prepara-se para apresentar uma proposta de alteração ao Código Penal, de forma a punir os jornalistas por “crime de perigo” dos danos eventualmente causados por divulgação de matérias em segredo de justiça. Não querendo ficar atrás, o Bloco de Esquerda, pela voz de Ana Drago, anunciou que vai propor a “punibilidade dos órgãos de comunicação social pela violação do segredo de justiça”, para que a responsabilidade recaia sobre as empresas de comunicação social e não sobre os jornalistas. Sem querer entrar na disputa, e com a devida vénia, apenas poderemos classificar as duas propostas como de igualmente insensatas e perigosas. Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos e, ao que diz a História, o homem que redigiu o texto da Declaração de Independência, resolveu a questão assim: “Se pudesse decidir se devemos ter um Governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último.”
Passados duzentos anos, parece que ainda não aprendemos. Está em marcha uma avançada do poder do Estado em nome da nossa protecção. O Governo quer zelar pela nossa saúde adoptando medidas que visam combater os malefícios do tabaco, sobre o qual cobra impostos, da burocracia, que ele próprio criou, do terrorismo internacional e do mau jornalismo. Mas quem nos protege dos danos causados pelo Estado? Sim, viver em democracia acarreta riscos e ameaças, mas nenhum deles é comparável ao perigo de um Governo com poder absoluto.
Nuno Sampaio, Diário Económico, 28FEV06
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