sexta-feira, 17 de junho de 2005

Casa da Suplicação XLI

Roubo — alteração substancial e não substancial de factos — «In dubio pro reo» — unidade e pluralidade de infracções — roubo agravado — medida da pena
1 - A observância do disposto nos artigos 358.º e 359.º não tem tempo específico e preciso para ter lugar. Como resulta da lei e do seu escopo, o que importa salvaguardar é que, no decurso da audiência, seja o arguido colocado perante a possibilidade de o tribunal levar avante uma alteração, substancial ou não, dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, com o evidente objectivo de lhe assegurar todos os direitos de defesa também quanto à alteração anunciada. Mas tendo em conta o objectivo da lei - que ao arguido seja proporcionada oportunidade de se defender, em plenitude, dessa alteração de factos - aquele decurso da audiência só termina com a prolação da decisão.
2 - Está fora do âmbito legal do recurso para o Supremo a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação.
3 - O processo de formação da convicção das instâncias não é inteiramente alheio aos poderes de cognição do Mais Alto Tribunal, justamente porque nem tudo o que diz respeito a tal capítulo da aquisição da matéria de facto constitui matéria de facto. Designadamente pode e deve o Supremo Tribunal de Justiça avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova e do princípio processual in dubio pro reo até onde tal lhe for possível, ou seja, ao menos, até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada.
4 - Como é dos princípios gerais, não é o número de resoluções que determina o número de crimes, antes, o número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou o número de vezes que o mesmo tipo de crime foi cometido pela conduta do agente – art.º 30.º, n.º 1, do Código Penal .
5 - Está claramente fora de questão o afastamento do tipo agravado de roubo se se provou que «Ali chegados, no momento em que do 5º andar direito saíra CS, bateram à porta, que lhes foi aberta por BM entrando todos de rompante. De imediato, o arguido JE encostou a ponta do cano de uma arma caçadeira, que empunhava, às costas de BM, ao mesmo tempo que, juntamente com os outros, lhe dizia que se mantivesse calado e que os levasse até ao quarto onde se encontrava o seu irmão SE.»
Pois, «de rompante», em bom português, significa com precipitação, impetuosamente, com fúria. Esta entrada «de rompante» nada tem de «consensual», sobretudo quando acompanhada, «de imediato» de um encostar às costas do forçado anfitrião da ponta do cano de uma arma caçadeira. E as divagações sobre o que podiam ou não ter sido as armas usadas, não passam disso mesmo: divagações. Uma arma caçadeira e uma pistola são notoriamente armas e mais do que isso, armas de fogo, usadas no acto de forma ostensiva ou aparente.
Ac. de 16.06.2005 do STJ, proc. n.º 1576/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Tráfico de estupefacientes — Tráfico de menor gravidade — «correio de droga»
1 - Se o arguido era portador de quatro embalagens com um total de 2.499,942 gramas de cocaína, sem nada mais de relevante se ter provado em sede de ilicitude, a qualificação do artigo 25.º do DL 15/93 – reportada a «tráfico de menor gravidade» – está liminarmente afastada do caso, já que a avaliação complexiva que pressupõe não é compatível com a elevada quantidade do produto encontrado ao arguido e, muito menos, com a qualidade do mesmo, traduzida em droga dura.
2 – Consequentemente é rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso que interpôs com esse objectivo, assim se confirmando a pena de 5 anos e 6 meses que lhe foi aplicada na 1.ª instância por prática do crime do artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22/1..
Ac. de 16.06.2005 do STJ, proc. n.º 2103/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Prevaricação — recursos:motivação — iipo legal do crime — decisão instrutória — despacho de pronúncia — despacho de não pronúncia
1 - Sem prejuízo do respeito pela lei processual, importa dar o devido relevo a um são princípio de responsabilização de cada qual pelos actos que lhe competem, decerto mais eficaz que qualquer convite ou condescendência com a prática de actos menos ortodoxos do ponto de vista legal. Sobretudo, quando, como no caso, não obstante, ao tribunal se afigura ser possível atingir o âmago do objecto recursivo. E mais, se do eventual prolongamento do processado viesse a resultar prejuízo para a situação processsual do arguido.
2 - Nesta óptica, o assistente recorrente que não atenta convenientemente na exigência legal de formular conclusões claras, precisas e sintéticas, sujeita-se, por vontade própria, às eventuais nefastas consequências que podem advir da circunstância de o tribunal ser colocado perante as dificuldades acrescidas de ter de desvendar o autêntico «segredo escondido» que, muitas vezes, constitui a tarefa de deslindar em que consiste a verdadeira pretensão do recorrente.
E se dessa dificuldade acrescida em que o tribunal é ilicitamente colocado resultar um imperfeito conhecimento do objecto do recurso, o recorrente só de si poderá queixar-se. Sibi imputet.
3 – No crime de prevaricação ou denegação de justiça, qualquer que seja a correcta incriminação dos factos – n.º 1 ou 2, do artigo 369.º do Código Penal – sempre o tipo subjectivo se haverá de ter como doloso, na certeza de que as situações ali tipificadas não se compaginam sequer com a forma mais débil do agir doloso que o dolo eventual traduz.
4 - Se os factos provados podem deixar alguma dúvida sobre o esmero técnico de algumas decisões proferidas pelo juiz arguido, mas não é lícito, apesar disso, da sua avaliação global extrair a conclusão minimamente consistente de que nos casos em que porventura tenha errado, o tenha feito intencionalmente ou, sequer, que necessariamente assim devesse ser entendido, então, importará lavrar despacho de não pronúncia.
5 – Sobretudo se o assistente não consegue adiantar, sequer, um hipotético móbil para o pretenso crime em causa e se tiver em conta que, qualquer que seja o juiz, deve beneficiar da presunção hominis de integridade funcional.
6 - A simples sujeição de alguém julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não, em certas circunstâncias, mesmo, um vexame.
7 - Por isso, no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós se revestem de dignidade constitucional, como é o caso da Liberdade (art.º 3.º daquela Declaração e 27.º da Constituição da República).
8 - E por isso é que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido ou os indícios são os suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.
Ac. de 16.06.2005 do STJ, proc. n.º 1938/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Prisão preventiva — suspensão do prazo — realização de perícia
1 - Se o o exame pericial foi um acto necessário, imprescindível mesmo, nomeadamente para apoiar a acusação que veio a ser deduzida contra o requerente, o prazo de prisão preventiva em curso, suspende-se independentemente de despacho explícito nesse sentido .
2 - Não vale neste conspecto o argumento segundo o qual logo haveria de ter sido produzido qualquer despacho a fim de o requerente se «aperceber» do correspondente alongamento do prazo da prisão preventiva, designadamente porque, como resulta claramente da lei, verificados os respectivos pressupostos, a suspensão do prazo para o efeito da realização da perícia é automático, ocorre ipsa vi legis (art.º 216.º, n.º 1, a), do CPP); tudo sem prejuizo dos direitos de defesa do arguido já que se o requerente algo tivesse a opor, há muito que o poderia ter feito, nomeadamente no momento em que teve conhecimento da realização da perícia, mormente quando foi notificado da acusação, mas sem que ao tribunal incumbisse qualquer ónus de o «alertar».
Ac. de 16.06.2005 do STJ, proc. n.º 2303/05-5, Relator: Cons. Pereira Madeira


Omissão de pronúncia — fundamentação da decisão — recurso em matéria de facto — especificações legais — duplo grau de jurisdição
1 - Se a Relação enuncia insuficientemente no relatório do acórdão as questões suscitadas pelo recorrente, mas depois acaba por conhecer de todas elas, não se verifica omissão de pronúncia.
2 - A redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que "versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição" (…), já o n.º 3 se limita a prescrever que "quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…), sem impor que tal aconteça nas conclusões.
3 - Perante esta margem de indefinição legal, e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou a Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões.
4 - O art. 374.º, n.º 2 do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos Tribunais Superiores, mas só por via da aplicação correspondente do art. 379.º , pelo que aquelas não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.ª instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.ª instância e que embora as Relações possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas o tribunal de recurso não pode julgar a causa nos mesmos termos em que o tinha feito a 1.ª instância.
5 - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa à repetição do julgamento na 2.ª Instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência.
Ac. de 16.06.2005 do STJ, proc. n.º 1577/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Recurso para fixação de jurisprudência —Ac. n.º 9/2000 do STJ — indicação do sentido da jurisprudência na interposição do recurso — acto inútil
1 - O recurso para fixação de jurisprudência está organizado nos art.ºs 437.º e seguintes do CPP com divisão em duas fases, uma pertinente à questão preliminar da oposição de julgados e a outra ao julgamento propriamente dito do conflito de jurisprudência.
2 - Na primeira fase prepara-se o processo para o julgamento da oposição de julgados a levar a efeito pela conferência restrita, enquanto na outra, tendo por objecto a solução do conflito de jurisprudência, dirige-se à conferência pelo pleno das secções criminais. Só nesta última fase é que os sujeitos processuais interessados são notificados para apresentarem, por escrito, as suas alegações, nas quais devem formular conclusões em que indiquem o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência.
3 - É em relação a estas conclusões que deve colocar-se o problema da sua integração por recurso ao disposto no art. 412.º do CPP, na parte aplicável, com a cominação da rejeição do recurso se tal disciplina não for observada. O art. 438.º, n.º 2, do mesmo diploma é claro quando refere que «o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência» (sublinhado agora). E é perante tal objecto que os sujeitos processuais podem apresentar resposta (art. 439.º do CPP), da qual não tem de constar qualquer manifestação sobre o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência, pois a única questão a resolver então é ainda e só, a questão preliminar da oposição de julgados.
4 - Só perante a verificação de oposição de julgados é que se abre a fase de alegações quanto ao fundo: a questão controvertida e o sentido em que deve ser resolvida. Produzir antecipadamente alegações sobre esta questão pode traduzir-e, e traduz-se frequentemente na prática de um acto inútil, como tal, proibido por lei, pois é mais comum a negação da almejada oposição de julgados do que a sua declaração abrindo a fase seguinte.
5 – Doutro modo impor-se-ia ao Magistrado do Ministério Público que recorresse a necessidade de adiantar a solução a dar ao conflito de jurisprudência e respectiva argumentação, antecipando-se ao Procurador-Geral da República, a quem devem ser presentes, com antecedência as alegações elaboradas pelos Procuradores-Gerais Adjuntos no Supremo Tribunal de Justiça, sobre o fundo da causa.
6 – Não é assim de seguir o Ac. do STJ n.º 9/00 de 30.3.2000 (DR IS-A de 27.5.00) que fixou a seguinte jurisprudência: «considerando o disposto nos artigos 412.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 420.º, n.º 1, 438.º, n.º 2, e 448.º, todos do Código de Processo Penal, no requerimento de interposição de recurso de fixação de jurisprudência deve constar, sob pena de rejeição, para além dos requisitos exigidos no referido artigo 438.º, n.º 2, o sentido em que deve fixar-se a jurisprudência cuja fixação é pretendida».
Ac. de 16.06.2005 do STJ, proc. n.º 1830/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

Opção pela pena de multa — condução ilegal — atenuação especial da pena — jovem delinquente
1 - Sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 – Não merece censura a não opção pela pena de multa quando são acentuadas as exigências de prevenção geral positiva pela reiteração e gratuitidade da conduta do arguido que não se coibiu de conduzir um veículo automóvel no dia 1.11.03, de o repetir no dia 12 de Dezembro seguinte, embatendo na traseira de outra viatura automóvel e, vendo então a polícia, colocou-se em fuga a grande velocidade e de, apesar disso, tornar a conduzir uma viatura automóvel, quando não podia sequer obter habilitação para conduzir automóveis na via pública.
3 – Se o Tribunal entende adequada a suspensão da execução da prisão de prisão infligida, que tem a natureza de pena substitutiva, não tem que ponderar a atenuação especial da pena para jovem delinquente que visa a pena de prisão.
4 - Pode dizer-se que o recurso é manifestamente improcedente quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, à letra da lei e às posições da jurisprudenciais sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso, como acontece no presente recurso.
Ac. de 16.06.2005 do STJ, proc. n.º 2104/05-5, Relator: Cons. Simas Santos

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