Homicídio voluntário — homicídio qualificado — frieza de ânimo — premeditação — vícios da matéria de facto — insuficiência da matéria de facto para a decisão
1 – Não pode confundir-se o facto provado de o arguido ter dito que havia de matar a vítima, com a existência de uma efectiva intenção de matar por parte daquele.
2 – Sabendo-se apenas que, para além daqueles «anúncios» de morte, «naquele momento» [é dizer, ao disparar], o arguido agiu com intenção de matar, no mínimo não se sabe quando surgiu tal intenção criminosa ou seja, quando decidiu o arguido matar a vítima.
3 – Mas a sombra que sobre este facto possa perdurar, a persistir, só poderá beneficiar o arguido: in dubio pro reo.
4 – Portanto, a matéria de facto em que se baseia a condenação levada a cabo pelas instâncias pelo crime de homicídio voluntário agravado pela alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal enferma de claro vício de insuficiência, já que, conjugando factos provados e não provados, não se descortina, que isso tenha sido objecto de averiguação por parte daquelas. Nomeadamente – e aqui parece residir o busillis factual do caso – se, ao fazer aquelas ameaças de morte, o arguido já havia ou não decidido matar.
5 – O tribunal não pode bastar-se, para decidir-se optar pela qualificação mais gravosa do crime de homicídio, com declarações de circunstância que não assume como reveladoras ou não da intenção de matar tomada com antecedência (e qual terá esta sido) ou outras manifestações de frieza de ânimo, e de que fugiu a assumir como factos provados ou não provados.
Ac. de 4.11.04 do STJ, proc. n.º 3666/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
Detenção ilegal de arma de fogo — substituição da prisão por multa — homicídio tentado — medida concreta da pena — arguido idoso e primário — indemnização — danos morais — equidade — poderes do Tribunal Superior
1 – Quando o Tribunal da condenação tenha optado, nos termos do art. 70.º do C. Penal, pela pena de multa, se esta for fixada em medida não superior a 6 meses, pode substitui-la por multa ou outra pena não privativa da liberdade, como o indica a diversidade de regimes de cada situação.
2 – Com efeito, da consideração conjunta dos art.ºs 70.º e 44.º do C. Penal resulta que, em caso de pena alternativa, a opção pela pena de multa deve ter lugar sempre que esta proteger suficientemente os bens jurídicos em causa e a reintegração do agente na sociedade (factor positivo de decisão), enquanto que a pena curta de prisão aplicada (não superior a 6 meses) é necessariamente substituída por pena de multa ou, sublinhe-se por outra pena não privativa da liberdade aplicável, salvo se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir a prática de futuros crimes (factor negativo de exclusão).
3 – Se a detenção da arma não está relacionada com o grave crime contra as pessoas cometido pelo arguido e tudo aponta para o não uso pelo arguido da pistola calibre 6,35, a sua mera detenção não postula a execução da prisão como exigida pela necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, tanto mais que se trata de um cidadão com 77 anos de idade sem antecedentes criminais, pelo que deve a prisão de 6 meses ser substituída por multa
4 – Se o arguido, não inserido socialmente, não revela sentimento de culpa ou remorsos em relação aos factos, dos quais jamais ressarciu a vítima, apresenta perturbação de personalidade (agressiva), não tem antecedentes, agiu com dolo directo e intenso, sendo grande a ilicitude da sua conduta, atendendo às gravíssimas consequências para o ofendido, no imediato e permanentemente: afasia da compreensão e da fala; desorientação tempo-espacial e cefaleias e perturbação da memória e do conhecimento, com uma IPP de 65%, com necessidade de recurso permanente a terceira pessoa para o auxiliar nas actividades diárias, a pena de 7 anos de prisão pelo crime de homicídio tentado seria adequada, não fora a sua idade (77 anos), conjugada com a ausência de antecedentes criminais.
5 – Uma idade avançada, fazendo voltar como que a uma segunda infância, produz sobre a imputabilidade efectivas consequências. E a idade superior ao 70 anos, dá um outro e muito mais majorado sentido ao tempo de encarceramento, dado o limitado tempo de vida previsível.
6 – O não ter sido indicada expressamente esta circunstância como atenuante no texto do C. Penal, mercê da nova técnica utilizada a propósito, não lhe retira actualmente o valor atenuativo, sendo certo que o art. 71.º do C. Penal manda atender à culpa, às condições pessoais do agente e à sua conduta anterior ao facto.
7 – Afigura-se, assim, mais ajustada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
8 – Se o condenado compreendeu perfeitamente a decisão quanto à indemnização cível, não pode pretender que a mesma é ininteligível, só porque o montante global foi reduzido ao valor pedido.
9 – Os danos não patrimoniais são determinados nos termos do n.º 3 do art. 496.º, do C. Civil: o quantitativo é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
10 – Deve ter-se presente que a reparação dos danos não patrimoniais não tem por fim, por ser isso impossível, colocar o lesado no statu quo ante, mas apenas compensá-lo, indirectamente, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, uma satisfação capaz de atenuar, na medida do possível, a intensidade do desgosto sofrido.
11 – E na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos.
12 – Mas, tal como escapam à admissibilidade do recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (art.s 400.1.b do CPP e 679.º do CPC), devam os tribunais de recurso limitar a sua intervenção - em caso de julgamento segundo a equidade às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida».
Ac. de 4.11.04 do STJ, proc. n.º 3502/04-5, Relator Cons. Simas Santos
1 – Não pode confundir-se o facto provado de o arguido ter dito que havia de matar a vítima, com a existência de uma efectiva intenção de matar por parte daquele.
2 – Sabendo-se apenas que, para além daqueles «anúncios» de morte, «naquele momento» [é dizer, ao disparar], o arguido agiu com intenção de matar, no mínimo não se sabe quando surgiu tal intenção criminosa ou seja, quando decidiu o arguido matar a vítima.
3 – Mas a sombra que sobre este facto possa perdurar, a persistir, só poderá beneficiar o arguido: in dubio pro reo.
4 – Portanto, a matéria de facto em que se baseia a condenação levada a cabo pelas instâncias pelo crime de homicídio voluntário agravado pela alínea i) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal enferma de claro vício de insuficiência, já que, conjugando factos provados e não provados, não se descortina, que isso tenha sido objecto de averiguação por parte daquelas. Nomeadamente – e aqui parece residir o busillis factual do caso – se, ao fazer aquelas ameaças de morte, o arguido já havia ou não decidido matar.
5 – O tribunal não pode bastar-se, para decidir-se optar pela qualificação mais gravosa do crime de homicídio, com declarações de circunstância que não assume como reveladoras ou não da intenção de matar tomada com antecedência (e qual terá esta sido) ou outras manifestações de frieza de ânimo, e de que fugiu a assumir como factos provados ou não provados.
Ac. de 4.11.04 do STJ, proc. n.º 3666/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
Detenção ilegal de arma de fogo — substituição da prisão por multa — homicídio tentado — medida concreta da pena — arguido idoso e primário — indemnização — danos morais — equidade — poderes do Tribunal Superior
1 – Quando o Tribunal da condenação tenha optado, nos termos do art. 70.º do C. Penal, pela pena de multa, se esta for fixada em medida não superior a 6 meses, pode substitui-la por multa ou outra pena não privativa da liberdade, como o indica a diversidade de regimes de cada situação.
2 – Com efeito, da consideração conjunta dos art.ºs 70.º e 44.º do C. Penal resulta que, em caso de pena alternativa, a opção pela pena de multa deve ter lugar sempre que esta proteger suficientemente os bens jurídicos em causa e a reintegração do agente na sociedade (factor positivo de decisão), enquanto que a pena curta de prisão aplicada (não superior a 6 meses) é necessariamente substituída por pena de multa ou, sublinhe-se por outra pena não privativa da liberdade aplicável, salvo se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir a prática de futuros crimes (factor negativo de exclusão).
3 – Se a detenção da arma não está relacionada com o grave crime contra as pessoas cometido pelo arguido e tudo aponta para o não uso pelo arguido da pistola calibre 6,35, a sua mera detenção não postula a execução da prisão como exigida pela necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, tanto mais que se trata de um cidadão com 77 anos de idade sem antecedentes criminais, pelo que deve a prisão de 6 meses ser substituída por multa
4 – Se o arguido, não inserido socialmente, não revela sentimento de culpa ou remorsos em relação aos factos, dos quais jamais ressarciu a vítima, apresenta perturbação de personalidade (agressiva), não tem antecedentes, agiu com dolo directo e intenso, sendo grande a ilicitude da sua conduta, atendendo às gravíssimas consequências para o ofendido, no imediato e permanentemente: afasia da compreensão e da fala; desorientação tempo-espacial e cefaleias e perturbação da memória e do conhecimento, com uma IPP de 65%, com necessidade de recurso permanente a terceira pessoa para o auxiliar nas actividades diárias, a pena de 7 anos de prisão pelo crime de homicídio tentado seria adequada, não fora a sua idade (77 anos), conjugada com a ausência de antecedentes criminais.
5 – Uma idade avançada, fazendo voltar como que a uma segunda infância, produz sobre a imputabilidade efectivas consequências. E a idade superior ao 70 anos, dá um outro e muito mais majorado sentido ao tempo de encarceramento, dado o limitado tempo de vida previsível.
6 – O não ter sido indicada expressamente esta circunstância como atenuante no texto do C. Penal, mercê da nova técnica utilizada a propósito, não lhe retira actualmente o valor atenuativo, sendo certo que o art. 71.º do C. Penal manda atender à culpa, às condições pessoais do agente e à sua conduta anterior ao facto.
7 – Afigura-se, assim, mais ajustada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
8 – Se o condenado compreendeu perfeitamente a decisão quanto à indemnização cível, não pode pretender que a mesma é ininteligível, só porque o montante global foi reduzido ao valor pedido.
9 – Os danos não patrimoniais são determinados nos termos do n.º 3 do art. 496.º, do C. Civil: o quantitativo é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
10 – Deve ter-se presente que a reparação dos danos não patrimoniais não tem por fim, por ser isso impossível, colocar o lesado no statu quo ante, mas apenas compensá-lo, indirectamente, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, uma satisfação capaz de atenuar, na medida do possível, a intensidade do desgosto sofrido.
11 – E na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos.
12 – Mas, tal como escapam à admissibilidade do recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (art.s 400.1.b do CPP e 679.º do CPC), devam os tribunais de recurso limitar a sua intervenção - em caso de julgamento segundo a equidade às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida».
Ac. de 4.11.04 do STJ, proc. n.º 3502/04-5, Relator Cons. Simas Santos
Recurso para o STJ — motivação de recurso — conclusões repetidas — falta de motivação — matéria de facto
Não estando em causa no recurso para o Supremo Tribunal a decisão do Colectivo, mas a do Tribunal da Relação, que o recorrente não contraria, antes se dedicando a criticar aquela, como se não tivesse sido apreciada pela 2ª instância, inclusive reproduzindo as conclusões anteriormente apresentadas, o recurso interposto para o STJ carece de motivação e tem de ser rejeitado.
Estando obcecado com a decisão do Colectivo, se o recorrente, além disso, impugna matéria de facto, à semelhança do que fez para a Relação, ocorre um outro motivo de rejeição, por o recurso se não circunscrever exclusivamente a matéria de direito, sendo que o STJ é um tribunal de revista.
Ac. de 4.11.04 do STJ, proc. n.º 3453/04, Relator: Cons. Rodrigues da Costa
Sem comentários:
Enviar um comentário