O Departamento de Investigação e de Acção Penal (DIAP) do Porto do Ministério Público acusou 53 arguidos (29 pessoas individuais e 24 empresários e empresas) de terem lesado o fisco em 33,7 milhões de euros, durante os anos de 1997,1998 e de 1999. Essa conclusão consta do quarto e último inquérito investigado no DIAP do Porto relacionado com o tráfico de largas dezenas de toneladas de barras de ouro sem o pagamento dos 17 por cento de IVA e/ou com a apropriação de parte deste imposto.
O expediente envolveu inúmeros comerciantes e empresários, economistas, advogados de vários pontos do país, que aliciaram inúmeros indivíduos carenciados para darem o nome na criação de empresas-fantasma e agirem como testas de ferro na aquisição das barras de ouro, funcionando depois como sujeitos passivos perante a administração fiscal. Com o apoio de investigadores e peritos requisitados à Polícia Judiciária (PJ) e a outros órgãos de polícia criminal, o MP avocou as investigações, em Outubro de 1998, mas estas foram interrompidas há cerca de meio ano quando a direcção nacional da PJ ordenou aos investigadores o regresso imediato à corporação.
As diligências ficaram a meio do caminho, impedindo o esclarecimento da origem dos avultados fundos para financiar a importação das toneladas de barras de ouro, sobretudo de três países: Espanha, Inglaterra e Suiça. Só no inquérito recentementemente concluído é que se confirmou que para a consumação da fraude de 33,7 milhões de euros foram investidos 200 milhões de euros (40 milhões de contos), fundos estes cuja origem continua por descobrir, dada a falta de cooperação por parte das autoridades britânicas que tutelam os paraísos fiscais de Gibraltar e da Ilha de Man - que poderão ter servido como plataforma estratégica do negócio.
Estes valores assumem proporções ainda mais significativas - 588 milhões de euros (118 milhões de euros) - se forem considerados os montantes das fraudes apuradas nos outros três inquéritos investigados pelo DIAP do Porto, dois dos quais já foram julgados na primeira instância e o terceiro está parado há cerca de um ano no Tribunal de Instrução Criminal do Porto. Os dois primeiros processos ainda não transitaram em julgado, por haver recursos pendentes há muito no Tribunal Constitucional e no Tribunal da Relação do Porto. Este facto teve duas consequências: os arguidos presos preventivamente foram libertados quando atingiram o prazo máximo da medida de coacção; a execução dos impostos ilicitamente apropriados e/ou não liquidados não pôde iniciar-se.
O calcanhar de Aquiles
A fraude assentou num conhecimento rigoroso dos mecanismos das aquisições intracomunitárias de bens, que se processam com isenção do pagamento de IVA, à data, no valor de 17 por cento. As mercadorias, no caso barras de ouro, seriam oneradas pelo IVA na primeira transacção nacional, devendo os sujeitos passivos depositários do imposto entregá-lo à administração fiscal e inclui-lo nas declarações periódicas remetidas para os serviços da administração fiscal.
A partir de Janeiro de 1993, terminou o monopólio do Banco de Portugal e de algumas instituições bancárias da importação, exportação ou reexportação de ouro em barra ou noutras formas. A liberalização acabou por desregular o controlo das quantidades de ouro aquiridas pelos industriais para constrataria, induzindo o aparecimento de um mercado paralelo, que rapidamente passou a controlar o negócio e motivou a concorrência desleal, nomeadamente quando as barras do metal precioso eram transaccionadas a preços inferiores ao da compra e ao "fixing" de Londres, graças à renúncia à apropriação de uma parcela dos 17 por cento daquele imposto, acabando o fisco por subvencionar o abatimento.
A concorrência desleal assentava num expediente que só em 1998 começou a ser investigado por iniciativa do Ministério Público, na sequência de uma apreensão feita numa operação de rotina por uma brigada da Inspecção-geral das Actividades Económicas. Esta acção indiciou a existência de tráfico de ouro, cujas dimensões milionárias ficaram atestadas pelo primeiro processo a ser julgado nas Varas Criminais do Porto em finais de 2000.
O segredo da fraude consistia na não liquidação do IVA cobrado aos clientes e na dissimulação do expediente através de uma complexa rede de empresas fictícias e com testas de ferro como alegados donos. Os principais arguidos comunicavam ao fisco a aquisição do metal precioso feita a outras empresas no mercado interno, fazendo crer que o IVA já tinha sido liquidado. Para tal, obtinham (de empresas fictícias ou não) facturas que não correspondiam a transacções efectivas de barras de ouro.
De acordo com a facturação e documentação apreendida, os peritos que colaboraram nas investigações do quarto inquérito sobre tráfico de ouro apuraram o prejuízo sofrido pelo fisco. Dos 33,7 milhões de euros reclamados aos arguidos, quase um terço (10,1 milhões de euros) é exigidos a dois arguidos. A uma empresa e a outros dois arguidos, o MP reclama a reposição de 5,7 milhões de euros; a outro 4,3 milhões de euros e a outro, ainda, a importância de 5,5 milhões de euros. Registe-se que só a uma firma o MP exige a devolução de 4,3 milhões de euros por alegada dedução indevida de IVA, através da aquisição fictícia de 331,418 quilos de ouro. O único arguido preso preventivamente, de acordo com o que apuraram os investigadores, terá importado seis toneladas de barras de ouro, que terá comercializado sem o pagamento do IVA ao fisco.
quarta-feira, 4 de agosto de 2004
Ministério Público acusa 53 arguidos por fraude fiscal de 33,7 milhões de euros
No Público de hoje, pela mão de António Arnaldo Mesquita:
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