O poder executivo pode conceber como um
risco uma declaração de inconstitucionalidade num Estado de Direito?
A resposta tem de ser negativa. Numa sociedade
democrática, o único risco a evitar é o inverso: as decisões
políticas e legislativas violarem a Constituição. Conceber uma Constituição
democrática como entrave político é um contrassenso.
Princípios como a
dignidade da pessoa ou a igualdade e os direitos fundamentais são condições do
livre desenvolvimento da personalidade que o poder político deve assegurar. A
Constituição garante a sua validade através da fiscalização da
constitucionalidade (que implicou a criação de um órgão jurisdicional com a
primeira Constituição escrita, a norte-americana).
Numa situação de
crise e necessidade, é difícil maximizar todos os direitos – e, sobretudo, os
direitos económicos, sociais e culturais. Todavia, os critérios de repartição
de sacrifícios têm sempre dois limites: devem garantir as condições mínimas de
dignidade e uma essencial igualdade, protegendo na maior medida possível os
interesses de todos e de cada um.
Se uma lei qualquer
autoriza o Estado a não respeitar o direito fundamental à segurança no emprego
dos seus funcionários, abrindo a porta a despedimentos sem justa causa, ficam
postos em causa os princípios da confiança e da segurança jurídica. Ora, quando
esses princípios constitucionais entram em crise, o Estado perde toda a sua
credibilidade perante os cidadãos.
Muitos admitem,
cinicamente, a deterioração das relações laborais dos trabalhadores da Função
Pública com o argumento de que se passa já o mesmo no setor privado. No
entanto, o direito à segurança no emprego e a proibição de despedimentos sem
justa causa são um direito fundamental de todos os trabalhadores, por força do
artigo 53º da Constituição.
É extremamente
grave que o Estado dê aos empregadores o exemplo de violação dos direitos
fundamentais dos trabalhadores, assumindo-o como um risco deliberado e
advertindo o Tribunal Constitucional das consequências de um possível juízo de
inconstitucionalidade. Ao agir assim, o Estado transforma-se, verdadeiramente,
no pior dos patrões.
Uma coisa é
extinguir privilégios injustificados e outra é pedir aos cidadãos que se
esqueçam dos direitos que a Constituição lhes confere. Para quem entenda que a
Constituição que jurou cumprir está "desatualizada" e não se adequa
ao tempo presente, só há um caminho democrático a seguir: propor e conseguir
fazer aprovar uma revisão constitucional.
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