domingo, 25 de agosto de 2013

Confiança

OPINIÃO
Confiança
Vasco Pulido Valente


Anda por aí gente preocupada, porque a redução das pensões aos reformados do funcionalismo público pode reduzir e abalar a confiança no Estado. Isto não se compreende. Até há muito pouco tempo o Estado só aparecia ao cidadão comum por três razões: para lhe tirar dinheiro, para o meter na tropa ou, mais raramente, para o prender. Nunca inspirou qualquer respeito e era universalmente detestado. Durante a monarquia tradicional o rei ainda inspirava alguma deferência, mas não os seus ministros, que os portugueses letrados consideravam invariavelmente ineptos, corruptos, quando não pura e simplesmente servos da Inglaterra ou da Espanha, ou seja, traidores sem atenuante ou sem desculpa.
A opinião da classe média e da nobreza sempre os desprezou, mesmo se lhes pedia empregos ou sentenças favoráveis nos tribunais do reino.
Com o liberalismo as coisas pioraram. O rei já não encarnava o Estado e já não oferecia sombra de protecção à turba tumultuária, civil e militar, que passava efemeramente pelo governo ou pelo parlamento. O tema da essencial perversidade do Estado acabou por se tornar um tema obrigatório da nossa literatura. Eça contava que nos salões da “alta sociedade” (por exemplo, no salão da Gouvarinho) não se recebiam políticos, “porque as senhoras tinham nojo”. Esta atitude não mudou durante a República e a Ditadura. Os criados de Salazar não mereciam mais do que boas maneiras, que eles, como de costume, pagavam com favores. Depois do “25 de Abril”, algumas pessoas de uma acentuada ingenuidade pensaram que o Estado ia finalmente deixar de ser um “covil de ladrões”. Erro crasso.
Os jornais de hoje revelam escândalo sobre escândalo, que na generalidade envolvem o Estado ou antigos dirigentes do Estado. Do BPN ao desaparecimento dos dossiers a pingadeira não pára. E previsivelmente não vai parar. O tal buraco de que tanto se fala não é só um buraco financeiro, é também o buraco dos “negócios” do Estado, que, pelos nossos 308 municípios, penetraram Portugal inteiro, de Lisboa à mais remota vila de Trás-os-Montes.
Há por aí grandes cemitérios de escândalos à espera que a miséria e o desespero do país se transforme em raiva e os desenterre. Os regimes morrem assim. Se a população não conserva o mais leve vestígio de confiança na autoridade, governar é impossível. E esse momento não está longe.

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