segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Movimento quer travar candidaturas de deputados

São 29 os deputados que concorrem às eleições autárquicas. Um movimento de cidadãos mobiliza-se para os impedir
Movimento quer travar candidaturas de deputados às autarquias
São 29 os parlamentares que se candidatam a diversos cargos autárquicos. Movimento Manda Quem Paga quer levar a questão aos tribunais, por entender que os mandatos devem ser cumpridos até ao fim
Nuno Sá Lourenço
Depois dos dinossauros autárquicos, parece ter chegado a vez dos deputados que se candidatam às autárquicas. Um movimento cívico solicitou à Assembleia da República a lista de deputados que se candidatam a cargos autárquicos.
O objectivo é travar nos tribunais a possibilidade de candidaturas a órgãos autárquicos de deputados em exercício de funções. Para tal solicitaram já, na sexta-feira, à Assembleia da República “o acesso a todos os nomes dos deputados que pediram suspensão de mandato para efeitos de candidatura às Eleições Autárquicas de 2013″. Para depois avançar com uma “acção popular individual, intentando anular a suspensão de mandatos, requerida pelos deputados candidatos a Eleições Autárquicas”. A Assembleia da República respondeu ao pedido confirmando que, “até à data, nenhum senhor deputado requereu a suspensão do mandato para os efeitos referidos”.
Pelas contas feitas pelo PÚBLICO, há 29 deputados que se candidatam a diversos cargos autárquicos, representando 12% dos 230 deputados actualmente em funções.
A iniciativa é da autoria do Movimento Manda Quem Paga – Partido dos Contribuintes (MMP), que surgiu nos últimos dois anos no caldo de contestação da sociedade civil. Pedro Ladeira – que fez parte da comissão política do extinto partido Movimento Mérito e Sociedade (MMS) – é um dos seus dirigentes e o responsável pela iniciativa.
Questionado sobre os motivos da acção, Ladeira justificou-a com o princípio de que “qualquer cargo de um órgão de soberania deve ser desempenhado em regime de exclusividade e cumprimento integral do mandato representativo nacional sufragado em eleições, quer seja pela sua exigência quer seja pela sua responsabilidade”.
Ou seja, no entendimento do MMP as candidaturas colocavam em causa o “normal funcionamento das instituições”, uma vez que uma percentagem dos deputados se estaria a concentrar numa campanha eleitoral em vez de na sua actividade parlamentar. “Um deputado tem de respeitar o mandato para o qual foi sufragado”, resume Ladeira. Pedro Ladeira tenciona levar o assunto aos tribunais. “Temos de acreditar que os tribunais exerçam o seu papel de primeiro pilar da democracia, determinando a nulidade das candidaturas.”
O PÚBLICO questionou alguns dos deputados que são candidatos. José Junqueiro, deputado socialista candidato em Viseu, começa por esclarecer que se mantém em funções na Assembleia da República. “Eu estou no exercício pleno das minhas funções”, assevera Junqueiro, antes de acrescentar que “o trabalho parlamentar não é só feito na Assembleia da República”: “Também se faz no terreno, que é, aliás, uma fonte de informação permanente.” E deixa um reparo aos membros do movimento: “Antes de criticarem têm de trabalhar 18 horas por dia, como eu faço.”
Também Hélder Amaral reage de forma assertiva ao que classifica de “moral de fim-de-semana”. Confirmando não ter suspendido a sua actividade parlamentar, desafia o movimento a “descobrir uma falta minha a uma reunião de comissão ou de plenário”. E frisa não estar a cometer qualquer ilegalidade. “Gostava que me dissessem qual é a lei que eu estou a infringir”, diz antes de devolver as críticas aos seus autores. “Gostava de saber se as pessoas que fazem parte desse movimento, no exercício da sua actividade cívica, também suspendem a sua actividade profissional”, acrescenta. E, de seguida, lança um repto. “Eu estou disponível para responder a todas as perguntas desse movimento, mas quero saber quem são, o que fazem e qual é sua declaração de rendimentos. É que, enquanto dirigente partidário e deputado, a minha declaração de rendimentos é pública…”
A questão levantada pelo movimento gera reacções divergentes. Mesmo entre os que estudam a actividade política. O politólogo António Costa Pinto, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e professor convidado no ISCTE, Lisboa, considera a crítica implícita à conduta dos deputados “bastante exagerada”: “O envolvimento de um deputado na acção política é uma actividade perfeitamente legítima” quando vista à luz do sistema político português. Costa Pinto lembra ainda que em Portugal “o cargo de presidente da câmara é incompatível com o de deputado”. “O que não acontece em outras democracias, como a francesa”, acrescenta.
André Freire, do Centro de Estudos e Investigação de Sociologia, do Instituto Universitário de Lisboa, concede que a “crítica tem sentido”, embora sem considerar a situação particularmente grave. Lembra não ser de agora o reconhecimento dos partidos da necessidade de um maior esforço no sentido de fazer a “aproximação entre eleitos e eleitores”, tendo mesmo assumido a necessidade de uma reforma do sistema que tendesse para uma maior ligação com o eleitor.
“Nesse sentido, [um deputado estar disponível para suspender e renunciar ao seu mandato para concorrer a outro cargo] vai contra essa ideia de personalização do mandato de deputado.” E Freire também reconhece que não ajuda à imagem dos parlamentares a suspensão para concorrer. “Quer dizer que se as coisas correrem mal, eles podem sempre voltar”, afirma. “Para isso mais valia renunciarem. Mas o ideal seria mesmo que os deputados cumprissem o seu mandato.”

Público, 12 Agosto 2013

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