EDITORIAL
Para um compromisso a três ser viável, seria necessário saber que propostas a troika pode aceitar
O apelo do Presidente da República a um acordo de médio prazo entre os três partidos do arco da governação está a gerar duas leituras distintas. De um lado, estão os críticos que, mesmo aceitando a bondade de um acordo de regime, contestam os termos em que foi proposto e consideram que o Presidente acrescentou confusão à confusão. Do outro, aqueles que afirmam que o Presidente fez o que tinha de ser feito e que a alternativa é entre o acordo e o segundo resgate, ou pior. Para estes, são os partidos que têm de estar à altura do desafio presidencial. A realidade, infelizmente, é menos linear.
Comece-se por recordar que esta crise foi aberta pela demissão de Vítor Gaspar e pela necessidade de avançar com a reforma do Estado e os cortes de 4,7 mil milhões. Gaspar já não podia contar nem com o PP, nem com o aparelho social-democrata. Havia duas linhas no Governo face às reformas impostas pela troika e a ortodoxa, a de Gaspar e Passos (e da troika), perdeu. Passando por cima da sucessão de desautorizações, equívocos e quebras de lealdade que se foram sucedendo, sabemos que não há acordo entre os três partidos (incluindo os que estão coligados) quanto à reforma do Estado, ao que deve ser renegociado com a troika e quanto à questão do crescimento, entre outras. Basta analisar o que PSD, CDS e PS têm defendido para o compreender.
Entretanto, o discurso do Presidente criou um facto consumado. A ausência de um acordo será seriamente penalizadora não só para aqueles partidos (como diz Cavaco), como para o Presidente. Um acordo de regime a médio prazo, com um horizonte que vá além da legislatura, é evidentemente vantajoso para o país. Mas os riscos são imensos. E se não haver acordo, ou se só houver haver acordo para europeu ver? O problema é que não se pode exigir aos partidos que abandonem as suas propostas. E um acordo que integrasse o que os três defendem implicaria que Portugal apresentasse à troika propostas distintas dos termos actuais do memorando. E era preciso saber se os credores estariam dispostos a aceitá-las. Por isso, a troika deveria ser parte da negociação que o Presidente abriu. Isto, no caso de se pretender um acordo de regime que não seja apenas um mero compromisso com uma soma de medidas drásticas pré-definidas – como parece ser o caso. Não pode haver acordo sem se saber qual a natureza política desse acordo. E isso é complicado de alcançar em pouco tempo e depois de o Presidente ter introduzido no pacote negociai as eleições e a não remodelação do Governo, que são assuntos de outra freguesia. É o desastre a que o memorando nos conduziu que gerou a crise política e não o contrário. Por isso, precisamos de uma nova negociação com os credores, a troco de um acordo de regime com o qual a troika tem também tudo a ganhar. Isso é transformar a crise numa oportunidade.
Público | Domingo, 14 Julho 2013
Sem comentários:
Enviar um comentário