sábado, 25 de maio de 2013

O país das maravilhas

VASCO PULIDO VALENTE
Público: 25/05/2013 - 00:00

 Constituição de 1976 foi fabricada em circunstâncias que todo o país conhece, isto é, em circunstâncias em que nunca deveria ter sido feita. Depois disso, várias revisões tentaram remover o lixo que lá tinha deixado o PC, o PS e genericamente o ar do tempo. Primeiro, o PS concordou em retirar a tutela militar, de que desde o princípio não gostava, e que impedia terminantemente a nossa gloriosa entrada para a "Europa". E, a seguir, já com Cavaco no poder, as nacionalizações deixaram de ser sagradas. Mas continuaram na Constituição os vícios que a maior parte dos políticos achava necessários para evitar os defeitos do Constitucionalismo Monárquico, da I República e da Ditadura; e para construir um regime equilibrado, com um executivo duradouro e estável.
Para começar, por causa da antiga influência do rei e da autocracia de Salazar, Portugal escolheu um semipresidencialismo, em que o Presidente ficou quase sem poderes, excepto o poder de dissolver a Assembleia, sempre um acto arriscado e, em trinta anos, raramente exercido. Em segundo lugar, por causa da fissiparidade dos partidos na I República, a lei eleitoral estabeleceu grandes círculos de lista, que não permitiam ao eleitorado saber em quem votava e que favoreciam sem vergonha, como no fim da Monarquia, quem arranjasse mais dinheiro, conseguisse o apoio de instituições influentes (como, por exemplo, a Igreja) ou logo em 1974-75 se houvesse instalado no Estado, particularmente nas câmaras. Sem surpresa, os partidos passaram a mandar e o centro da política depressa se fixou na intriga interna que continuamente fervia no PS e no PSD.
E, desta honestíssima maneira, acabou nas mãos de indivíduos, sem espécie de currículo ou competência, que, não se sabe porquê, prevaleciam nas guerras domésticas de uma das seitas dominantes. O sistema não deu, como se conclui agora, um resultado brilhante. Mas persiste um horror mudo à ideia de um Presidente, chefe do Estado e do governo, eleito pelo povo e removível de quatro em quatro anos, pessoalmente responsável por um programa e com a força suficiente para impor a reforma da administração (central e local), da justiça, das finanças, da fiscalidade e dos serviços ditos sociais. Um homem com experiência e prestígio, suficientemente examinado não nos serve; um homem promovido pelas "bases" de uma facção qualquer, com a sua fraqueza e os seus compromissos, é a garantia de que a anarquia mansa em que vivemos persistirá.

Sem comentários: