sexta-feira, 12 de abril de 2013

Tribunais, juizes e o Estado de direito

MOURAZ LOPES

Juiz-conselheiro, Pres. da Assoc. Sindical dos Juizes dos Portugueses

NUNO COELHO Juiz desembargador, vice-presidente da Assoc. Sindical

dos Juízes Portugueses

O recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre as normas do Orçamento do Estado para 2013 merece ser apreciado à luz do papel dos tribunais e dos juizes num Estado de direito democrático. Nestes últimos três anos, o Tribunal Constitucional proferiu seis acórdãos nos quais vem definindo de forma consistente como devem ser interpretados os princípios constitucionais que poderiam estar em causarias medidas orçamentais de cariz restritivo que o Parlamento e o Governo têm vindo a aprovar medidas justificadas pela situação de crise financeira nacional e pelo plano de ajuda a Portugal, que exige o cumprimento de padrões rigorosos de redução dos défices públicos.

Nos acórdãos de Julho de 2012 e Abril de 2013, o Tribunal Constitucional considerou que em determinadas situações se encontravam em causa princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade que definem limites da acção política e governativa em matéria de direitos fundamentais. Por isso, declarou a inconstitucionalidade de algumas normas orçamentais para os respectivos anos, nomeadamente a suspensão do pagamento de determinadas remunerações (subsídios de férias ou equivalentes) e a aplicação de contribuições especiais sobre os subsídios de doença e do desemprego.

Estas decisões marcam de forma muito impressiva a vida de todos os portugueses e têm uma repercussão política e financeira óbvia, com um impacto económico que se encontrava antecipadamente quantificado. Os acórdãos e as respectivas declarações de voto fazem claramente a distinção entre os argumentos que são do direito e as preocupações que devem informar as decisões políticas. Convém não esquecer que o Tribunal Constitucional actuou na sequência de pedidos formulados por políticos e no normal funcionamento das instituições da democracia. Os actores políticos – sobretudo a Presidência da República, a Assembleia da República e o Governo – não podiam deixar de prever que decisões deste tipo viessem a ser proferidas.

As decisões podem ser criticadas, interpretadas e sujeitas a comentários da mais diversa origem e especialidade. Não se pode é colocar em dúvida que são uma expressão do funcionamento do Estado de direito e estão legitimadas nos princípios mais básicos das sociedades democráticas. Estes princípios não podem ser mera retórica, pois o seu esquecimento coincidiu historicamente com perversões ideológicas e políticas de má memória.

Nestes momentos, torna-se nítida a importância da separação de poderes e percebe-se como evitai a independência da função jurisdicional. Quando o cidadão se sente violado nos seus direitos e nas suas justas expectativas, tem de poder acreditar que as decisões dos juizes se encontram livres de compromissos ou interesses exteriores à interpretação da lei e da Constituição. O valor da independência dos tribunais e o estatuto dos juizes ganham aqui um valor incalculável para a cidadania e para a democracia. Esse estatuto e essa independência devem ser assegurados nas reformas da justiça que estão em curso. Uma eventual virulência da crítica política às decisões dos tribunais não se pode transformar em retaliação a quem exerce a função de juiz. O cidadão e a democracia têm de estar atentos ao sentido e ao alcance das reformas em curso nesta área.

Os autores do texto não seguiram o novo Acordo Ortográfico

Diário Notícias | Sexta Feira, 12 Abril 2013

Sem comentários: