quarta-feira, 6 de março de 2013

Modus operandi

DOMINGOS LOPES 
Público - 06/03/2013 - 00:00
A turbulência que varre o Ministério Público (MP) acontece num momento em que os meios de comunicação social deram e dão notícia de acusações e inquirições de alguns dos maiores figurões deste país à beira- mar entroikado, alguns umbilicalmente ligados aos bancos, os donos do dinheiro, os senhores dos mercados, a nova divindade...
As notícias em torno do Monte Branco tocam em banqueiros, o que é "intolerável", para quem realmente manda no país e, com os seus irmãos, no mundo.
Porém, os sistemas ainda não estão completamente modelados ao reino da nova divindade, o mercado, que só aplaca a sua voracidade com austeridade e mais austeridade... até à última avaliação...
Ricardo Espírito Santo foi chamado ao DCIAP para tomar Cerebrum, a fim de avivar a memória devido ao facto de se ter esquecido de declarar a bagatela de muitos milhões de euros... Ora a coisa não era suposta ser assim, no momento em que os governos se rendem aos bancos, seja ele o Banco Central Europeu, sejam eles o BES ou outros. Ricciardi, também do BES, fora notícia no que o ligava ao Monte Branco, embora a brancura se assemelhe mais à cor do alcatrão.
Outros figurões do círculo "do-homem-que-nunca-se-engana" estão a contas com investigações e acusações de cuja gravidade ninguém dúvida.
O semanário Sol dá conta do despacho de acusação referente a Arlindo de Carvalho, ex-ministro da Agricultura do ex-primeiro-ministro C. Silva.
Duarte Lima, ex-líder parlamentar do PSD no tempo do primeiro-ministro C. Silva, aguarda julgamento cá e lá (no Brasil). As acusações são muito graves.
Oliveira e Costa, ex-secretário de Estado de C. Silva, continua a ser julgado e enfrenta pelo menos mais uma acusação.
As notícias em redor de figuras cimeiras do PSD não cessam de aparecer, como é o caso da Tecnoforma, onde era consultor Passos Coelho e o secretário de Estado o inefável e insubstituível Miguel Relvas, mãos largas para aquela empresa, segundo as notícias.
E que dizer das notícias que envolvem a Madeira e o seu timoneiro, El Rei Dom Alberto?
Estas são as notícias. Estes são factos que envolvem figuras cimeiras do Estado. Ontem com submarinos ou com licenciamentos à medida, hoje com burlas, branqueamentos prevaricações, gestões danosas, etc.
Cabe fazer neste terreno cheio de minas e armadilhas duas perguntas. A primeira é esta: é ou não é possível aos governantes e a dirigentes políticos realizarem negócios em que tudo, mas tudo, seja claro, como acontece com a esmagadora maioria dos negócios? É, por exemplo, possível comprar dois submarinos com todos os documentos a baterem certo com aquilo que os outorgantes estabelecem? É possível a um membro do governo passar alvarás de construção que não deixe a menor margem de transparência? É possível a clareza acerca de uma questão tão importante como a possibilidade de se recandidatar a um novo mandato ao cabo de três? É possível trocar de por da ou da porde?
Diremos que é mais difícil encontrar os meios tortuosos de prejudicar a República e a comunidade e favorecer o detentor do cargo do que fazer tudo direitinho...
A segunda é esta: é assim e agora que as mudanças no DCIAP devem ocorrer?
Imaginemos que sim... É agora o momento para serem instaurados processos disciplinares? Quando todos os dias, a todas as horas, os meios de comunicação social nos dão conta do que se passa na maior parte destes e de outros processos ou até de processos que envolvem figuras da Igreja?
A turbulência é inevitável quando os instrumentos que os comandantes das naves têm não dão conta da sua existência por deficiências dos radares.
A turbulência é, porém, evitável, se deixar um rasto de insegurança e até de suspeição acerca dos motivos que levam a que as coisas sucedam deste modo, podendo sê-lo de outro.
O cargo de procurador-geral da Reública, o mais alto magistrado do MP, do órgão que é o titular da ação penal, é também aquele de que, por isso mesmo, a República exige transparência, segurança e equilíbrio nas decisões que envolvem os que nos seus postos estão no combate à criminalidade e ainda aos crimes que certos figurões do alto do seu estrado vão cometendo, desacreditando a República e as suas instituições.
O facto de tudo isto acontecer deste modo deixa a pergunta: tinha de ser assim?
Advogado

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