Por: Fernanda
Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Acaba de se colocar perante os tribunais a
questão de saber se a perda de mandato aplicada a autarcas condenados por
crimes de responsabilidade política pode ainda ser executada quando, entre a
sentença condenatória e o trânsito em julgado, o mandato cessou mas foi
renovado através de eleição. A Lei nº 34/87 não dá resposta direta a tal
questão.
O
artigo 29º da citada lei determina a perda de mandato de deputados e autarcas
que sejam condenados, entre outros, por crimes de prevaricação, denegação de
justiça, corrupção e peculato cometidos no exercício das suas funções. Porém, a
morosidade do processo pode levar a que o mandato já tenha sido concluído
quando a sentença se tornou irrecorrível.
Se o condenado não foi reeleito, nem
sequer será possível aplicar, nesta parte, a decisão condenatória que transite
em julgado após o termo do mandato. O condenado pode ter deixado de exercer
cargos públicos eletivos, ter mudado de autarquia ou ter sido eleito para a
Assembleia da República, a Assembleia Legislativa Regional ou o Parlamento
Europeu.
É razoável entender que a lei penal
quis determinar a perda do mandato em que o crime foi praticado, por ter havido
uma grave violação da confiança depositada pelo eleitorado. A sanção de perda
de mandato é acessória em relação à pena de prisão ou multa e fundamenta-se na
violação de uma relação de representação, porque ninguém é eleito para cometer
crimes.
Além disso, a aplicação da perda de
mandato após a cessação do mandato vigente à data da condenação é muito
problemática porque envolve, mesmo no caso de renovação, uma ampliação da letra
da lei. Essa ampliação pode ser considerada uma analogia que, por razões de
segurança jurídica, é proibida nos artigos 29º da Constituição e 1º do Código
Penal.
De todo o modo, este caso constitui
um desafio ao legislador. Se é certo que só uma condenação definitiva
(insuscetível de recurso) pode levar à perda de mandato ou à inelegibilidade,
nada obsta a que o efeito da condenação abranja um novo mandato, de igual ou
diferente natureza (por exemplo, o mandato de deputado), para que o condenado
foi depois eleito.
É possível garantir a eficácia da
sanção com vontade política e respeito pela legalidade. Para tanto, é
necessário que os processos sejam mais céleres e a lei seja clarificada. É
possível prever a inelegibilidade ou a perda de mandatos exercidos aquando do
trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que o crime revele
indignidade para o seu exercício.
Correio da Manhã | 2012.11.11
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