segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Supremo diz que réu é pai e que cabe a ele provar o contrário

DECISÃO Após um homem ter falhado dois testes de paternidade, o tribunal decidiu dá-lo como pai Assim, cabe a ele o ónus da prova.
Supremo obriga homem a provar que não é pai
Exame. Como o réu inviabilizou o teste de paternidade, o tribunal inverteu o ónus da prova.
Deu como reconhecido que o filho é dele e cabe-lhe agora demonstrar o contrário
PAULO JULIÃO
O Supremo Tribunal de Justiça considerou justificada a inversão do ónus da prova num caso em que um homem inviabilizou um teste de paternidade pelo que terá de provar que não é o pai. Em causa estão decisões diferentes dos tribunais das relações de Guimarães e de Coimbra, sobre casos em que dois homens “obstaculizaram” a realização de testes.
Enquanto no caso de Guimarães não foi valorizada a circunstância de o réu, numa investigação de paternidade, “se recusar a realizar o exame hematológico”, para comparação de ADN, requerido pela parte contrária, entendendo que essa recusa é “apenas passível da sanção probatória”, em Coimbra a conclusão foi contrária e terminou com o Tribunal a alterar o ónus da prova. Ou seja, como dificultou a realização de exames de paternidade, terá de provar que não é o pai.
Na origem deste último processo está uma alegada relação amorosa, extraconjugal, do réu com uma viúva, em Arganil, que terá culminado com o nascimento do queixoso, a 16 de abril de 1967. O Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de novembro de 2011, deu como provado que ambos mantiveram relações sexuais entre 1965 e 1967 e que a própria mulher do réu, entretanto falecida, “sabia do rumor público” de que o agora queixoso seria filho do seu marido.
Com 45 anos mas ainda um registo de filiação em que apenas surge o nome da mãe, o homem exigia em Tribunal que fosse confirmada a paternidade.
Durante o processo, na primeira instância, apesar de agendado por duas vezes, o homem não compareceu ao exame hematológico, o qual, segundo o tribunal, permite um grau de certeza próximo de 100% na filiação. “Quer isto dizer que nas ações de investigação da paternidade esses exames constituem elementos importantes e até essenciais para a descoberta da verdade, secundarizando as outras provas, designadamente a testemunhal patentemente muito mais falível e aleatória”, lêse no acórdão produzido pela Relação de Coimbra que, perante isto, decidiu aceitar declarar a paternidade.
Isto porque os juizes, na decisão de 16 de outubro de 2012, acrescentaram que “ao faltar ao exame injustificadamente, inviabilizou a sua realização, obstaculizando, assim, a que a verdade da sua paternidade (…) fosse cientificamente investigada e determinada”. “Recusou-se, assim, a colaborar para a descoberta da verdade, pelo que se justifica a inversão do ónus da prova”, defendem ainda.
Para complicar ainda mais este caso, o homem cuja paternidade estava ser investigada acabou entretanto por falecer, já depois de o tribunal ter admitido que a imputação que lhe foi feita, “dada a sua avançada idade” e “já bastante fragilizado, física e psiquicamente”, provocou nele “forte abalo psíquico e moral”.
Os recursos da decisão de primeira instância têm sido assumidos pelos herdeiros do homem e viram agora o Supremo Tribunal de Justiça validar a decisão de Coimbra, sublinhando tratar-se de uma “questão de particular e óbvia relevância social”, por “se colocar no caminho da descoberta da verdade da paternidade biológica”.
“Ao faltar ao exame injustificadamente inviabilizou a sua realização, obstaculizando, assim, a que a verdade da sua paternidade (…) fosse cientificamente investigada e determinada. Recusou-se, assim, a colaborar para a descoberta da verdade, pelo que se justificou a inversão do ónus da prova”, determina o Supremo Tribunal de Justiça.
A decisão, neste caso, poderá não ter qualquer efeito, tendo em conta que o processo só foi encetado mais de dez anos após a maioridade do requerente, que é o que a lei estabelece como prazo máximo. No entanto, poderá representar jurisprudência futura para este tipo de situação.
Quaresma e Toy tiveram de fazer testes de paternidade
FAMOSOS Dois dos casos mais mediáticos de processos de paternidade em Portugal envolveram o futebolista Ricardo Quaresma e o cantor Toy. No início de 2010, a ex-namorada interpôs uma ação em tribunal contra o internacional português que duvidou da paternidade e se recusava assumir as responsabilidades de pai. Apesar de ter colocado em causa a fiabilidade do teste de ADN feito pelo Instituto de Medicina Legal, que confirmou ser ele o pai da criança, e de ter pedido a repetição do exame, o jogador do Besiktas acabou por assumir a paternidade de Ariana. No caso de Toy o desfecho foi diferente: após uma relação extraconjugal com uma cabeleireira, o cantor foi confrontado com a suposta paternidade do filho desta, tendo chegado a pagar pensão de alimentos. Submetido a mais do que um exame de ADN, acabou por provar que não era o pai. No entanto, a mulher manteve a sua versão e chegou a colocar em causa a validade dos exames efetuados.
LEIS
DIREITO
Prova A regra, em direito, é que quem alega um determinado facto tem a obrigação de prová-lo. É o que conceptualmente se designa de ónus de prova que está preceituado no artigo 342.8 do Código Civil. Mas, no 344.5. nº 2, acrescenta-se que sucedendo a recusa da parte em colaborar para a descoberta da verdade, ocorrerá a inversão do ónus da prova. Ou seja, há inversão do ónus da prova “quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado”.
ENRIQUECIMENTO
Proposta A lei sobre o enriquecimento ilícito, aprovada no Parlamento com os votos contra do PS, acabou por ser declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional alegando que estaria em causa a presunção da inocência por considerar que o diploma não protegia o direito ao silêncio. Se ficasse em silêncio o acusado poderia ser condenado. Ou seja, seria obrigado a revelar factos da sua vida para provar a inocência, o que, na realidade, significava, a inversão do ónus da prova.
Diário Notícias, 5 Novembro 2012

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