terça-feira, 27 de novembro de 2012

A desesperança

manifestação 14 de NovembroPor António Cluny, publicado em 27 Nov 2012

Nisso, a semelhança com a crise da natalidade: sem esperança, nada de novo e de bom pode nascer já nesta sociedade
Que tem a ver a diminuição da taxa de natalidade em Portugal com os fenómenos de violência que se terão passado depois da manifestação da CGTP no dia da greve geral? Aparentemente nada, e realmente tudo.
Bem sei que, como justificação para a violência política e social que crescentemente se vai instalando, a explicação oficial é a existência de grupos “profissionais” de agitadores que se infiltram entre os manifestantes que, ordeiramente, protestam contra os responsáveis e as consequências desta crise.
Sem procurar aqui indagar das orientações ou das obediências dos elementos que, estranhamente impunes, apedrejaram a polícia durante mais de duas horas e aparentemente justificaram assim a reacção desta e todos os demais actos, que, já depois e bem longe daqueles acontecimentos, vieram a acontecer, a pergunta que importa fazer é: quem e porquê se dispõe a tal tipo de acções?
Parece evidente que os trabalhadores em greve que se manifestaram, bem como todos os outros que teriam gostado de nela participar, mas por motivos vários não o puderam fazer, encontram ainda força e motivos de esperança e mobilização que os levam a não necessitar de desrespeitar em vão a “ordem” que afinal rege mal as suas vidas.
A violência, ou pelo menos este tipo de violência, não podia, por isso e por enquanto, vir daí.
Este tipo de violência não é, aliás, novo entre nós, embora se manifeste hoje em circunstâncias específicas, com objectivos e protagonistas políticos distintos; se não é herdeiro, encontra pelo menos paralelo naquele que era protagonizado, imediatamente antes do 25 de Abril, por jovens, maioritariamente estudantes, de grupos extremistas.
Quem da minha idade não se lembra das manifes-relâmpago levadas a cabo por grupos de umas quantas dezenas de jovens radicalizados, em zonas de Lisboa como a Estrada de Benfica ou da Luz? Nelas, às claras, com uma audácia inaudita, imobilizavam carros eléctricos para impedir o acesso das carrinhas da polícia de choque, e em velocidade recorde, gritando slogans contra a guerra colonial e o regime, partiam montras de bancos e empresas estrangeiras, pinchavam as paredes contra o “fascismo”, enfrentando, se necessário, a própria polícia.
Hoje muitos deles passaram já pelo governo, por instâncias europeias ou integram e dirigem importantes meios de comunicação social.
O que levava então tais jovens, muitos vindos de sectores instalados da burguesia, a fazê-lo e a arrostar com a prisão, a tortura e a incorporação para a frente da Guiné?
Apenas a desesperança!
A desesperança – mesmo para eles – num qualquer futuro que não fosse a guerra, a deserção, o exílio ou viver num país cinzento e aparentemente bloqueado.
Hoje a desesperança é outra e em certo sentido pior, pois sucedeu a momentos de euforia, de promessas visivelmente plausíveis e, mais grave ainda, não encontra qualquer projecto ou utopias credíveis, que a redimam ou sublimem.
Tal desesperança só pode conduzir, claro, à raiva e à violência. Procurar os culpados individuais, prendê-los e estigmatizá-los, pode, a curto prazo, parecer a solução para os da ordem pública, mas não resolve o problema.
Só a projecção e a evidência de alternativas reais e socialmente justas para a “crise” e as soluções que a têm sustentado podem inverter o ciclo da violência já instalado.
Nisso, a semelhança com a crise da natalidade: sem esperança, nada de novo e de bom pode nascer já nesta sociedade.
Jurista e presidente da MEDEL

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