Responsabilidade desportiva
Sentir o Direito
Por:
Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Entre a responsabilidade desportiva e a
responsabilidade penal existe uma fronteira qualitativa que, por vezes, se
revela imprecisa. Os comportamentos adotados pelos atores desportivos no
decurso das provas ou em seu redor atingem, com frequência, um nível de
veemência física que invade o espaço de liberdade e segurança dos adversários.
A responsabilidade penal começa quando uma prática não
se configura como mera violação das regras desportivas, por ser grosseiramente
lesiva e inadequada. Por exemplo, no pugilismo, os murros na nuca são
proibidos, mas não implicam, em regra, responsabilidade penal. Mas uma dentada
na orelha (como foi dada por Tyson a Holyfield) já é ofensa corporal.
É certo que o Código Penal não traça a fronteira entre
condutas aceites outoleradas na atividade desportiva (ainda que violadoras das
regras do jogo) e comportamentos que devem ser considerados ofensas corporais,
à partida simples, puníveis com prisão até três anos mediante queixa. Têm de
ser asrepresentações sociais a fornecer esses critérios de adequação.
Um critério possível atende ao conjunto de condições
de que depende a prática desportiva. Se no futebol, por exemplo, se
considerasse ofensa corporal o vulgar empurrão ou a rasteira, tornar-se-ia
inviável o próprio jogo tal como hoje o conhecemos. Só haverá aí ilícito
desportivo. Mas nada impede a intervenção do Direito Penal se um jogador
esmurrar outro.
As ofensas corporais são pois delimitadas, naqueles
desportos que se praticam através de jogos ou lutas, por critérios de adequação
social que abrangem não só as práticas permitidas pelas regras do jogo, mas
também aquelas que estão próximas e representam riscos típicos da atividade
desportiva. Trata-se de riscos que os intervenientes aceitam presumivelmente.
Uma questão que foi suscitada pelo recente caso de
Luisão é se, no relacionamento entre atletas e árbitros, valem também certos
critérios de adequação. Embora a margem de tolerância seja menor do que na
relação entre atletas em competição, a resposta é positiva. Há casos em que a
responsabilidade pode ser restringida ao plano puramente disciplinar.
A existência de dolo (ofensa ‘voluntária’) ou
negligência grosseira, a gravidade da ofensa e os motivos e fins do agente, no
contexto da situação concreta do jogo, são elementos de que depende a afirmação
da responsabilidade penal. No caso de esta existir, será cumulável com a
responsabilidade disciplinar, por ter sido praticada uma infração desportiva.
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