Expresso (sábado, 25 Agosto 2012)
RUI GUSTAVO
RUI GUSTAVO
Juizes e advogados criticam Tribunal de Propriedade Intelectual, que só tem uma juíza para casos de todo o país. A magistrada lembra que já proferiu 283 despachos
A funcionar desde o final de março, por imposição da troika, o Tribunal de Propriedade Intelectual está entupido e incapaz de resolver os processos que tem em mãos. É o que conclui um estudo da Associação Sindical de Juizes: “Um tribunal instalado há apenas quatro meses está já a a acumular pendências e a ser alvo de críticas de todos os interessados.”
Um exemplo: “No início de julho, pusemos uma providência cautelar para impedir que as discotecas e bares que só abrem no verão passassem música sem pagar direitos. Ainda não tivemos uma decisão e daqui a duas semanas as discotecas vão fechar”, conta Miguel Carretas, presidente da Audiogest, associação que promove o pagamento de direitos de autor por parte de bares e discotecas que passam música e que concentra a maior dos processos que entram neste tribunal. “Segundo sabemos, o tribunal ainda não fez um único julgamento”, espanta-se o mesmo responsável. “É um tribunal de opereta, um cenário criado para agradar à troika.”
Através do porta-voz do Conselho Superior de Magistratura, a única juíza do tribunal, Maria Fonseca, explica que esteve em acumulação de funções no Tribunal de Loures, “com vários processos complexos” a seu cargo e garante que finalizou, “24 ações ordinárias, 8 procedimentos cautelares e 6 recursos de marca”.
No total, garante a juíza, numa resposta enviada por escrito, “foram proferidos 283 despachos”.
E se há demora na resolução dos casos é porque a “Audiogest não junta prova testemunhal e documental”, ou fá-lo “tardiamente”, “atrasando e perturbando o normal andamento dos processos”. “Houve, de facto, uma audiência de uma providência cautelar, mas foi realizada e a decisão foi também proferida por um juiz de turno”, insiste Miguel Carretas.
E a associação dos juizes considera “displicente” e “irresponsável” a maneira como o “poder executivo” está a lidar com este tribunal, considerado essencial para o desenvolvimento económico e para atrair investimento estrangeiro (ver P&R).
“Foi um erro grosseiro ter inaugurado o tribunal sem fazer qualquer estudo prévio”, critica Maria José Costeira, juíza no Tribunal de Comércio e especialista em propriedade intelectual. “Em quatro meses, não houve qualquer decisão de mérito (final) e só houve uma dúzia de casos resolvidos porque as partes chegaram a acordo ou houve desistências”, precisa. “E não faz qualquer sentido que só haja um tribunal em Lisboa, quando grande parte das empresas que recorrem ao tribunal são do Norte”, continua ajuíza.
Um juiz chega?
Entre 31 de março e 20 de julho deste ano, deram entrada no tribunal 244 processos, que estão nas mãos de uma juíza. A lei previa dois juizes, mas em setembro a atual juíza vai ser substituída por outra e o tribunal vai continuar com um único juiz para todos os processos, número considerado insuficiente por todos os profissionais do sector.
“Começou tudo mal”, acusa Manuel Lopes Rocha, advogado que escreveu um livro sobre este tribunal, a ser publicado em setembro. “Não há país nenhum do mundo que tenha só um tribunal destes. Há secções especializadas nos tribunais comuns e é assim que deve ser, porque não faz nenhum sentido que uma pessoa de Viana do Castelo tenha de vir a Lisboa para resolver um problema com uma marca, ou qualquer outra coisa. Na Turquia começaram com um tribunal e já vão em cinco”, diz o mesmo advogado.
Grande parte dos processos que chegam a este tribunal está relacionada com pirataria e uso indevido de programas informáticos. Luís Sousa, da Assoft, admite que achou “boa ideia” a criação de um tribunal especializado, mas está desiludido com a realidade. “As coisas não andam, um magistrado é manifestamente pouco. Há poucas decisões, e as que existem não têm muita lógica.” Por exemplo: “Se uma empresa compra a um dos nossos associados 50 programas e depois tem 100 utilizadores, é evidente que há utilização abusiva. Dantes, quando levávamos uma questão destas ao tribunal, o juiz concedia-nos uma providência cautelar, sem ouvir a parte contrária, porque as provas informáticas apagam-se com muita facilidade. Mas esta juíza insistiu em ouvir a parte contrária num processo e teve de ser o Tribunal da Relação a dar-nos razão.”
O Ministério da Justiça, numa curta resposta enviada por escrito, garante estar “a acompanhar, com particular atenção”, a atividade do tribunal, “pelo que serão adotadas todas as medidas que vierem a considerar-se adequadas no decurso desse processo de avaliação”.
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