Francisco Teixeira da Mota
Escrever
direito
No Verão é este o passatempo que se
aconselha: coligir em família exemplos da law
in Portugal. E rir… ou chorar
Para a compreensão do direito e da justiça, existem dois
conceitos fundamentais: a law on the books e a law in action. A
primeira refere-se à lei escrita, tal como consta do Diário da República ou dos
diversos códigos e diplomas, isto é, tal como foi idealizada e vertida em letra
pelo legislador; a segunda refere-se à lei tal como ela é aplicada, isto é, tal
como ela nos surge no dia-a-dia da vida em sociedade. Como é intuitivo, tais
realidades nem sempre coincidem.
Mas esta distinção, essencial para compreendermos o direito,
foi agora enriquecida com um outro conceito operativo, que representa um
notável avanço na ciência jurídica e na sociologia do direito: para além da law
on the books e da law in action, temos agora a law in Portugal.
Como se
distingue a law in Portugal da law on the books e da law in
action? Não é fácil dizê-lo. Digamos que a sua grande
imprevisibilidade, o facto de, muitas vezes, logo à nascença ser portadora da
sua própria negação, o facto de poder ser-lhe acrescentada uma vírgula ou uma
alínea em pleno processo legislativo, sem que ninguém assuma a sua paternidade,
a sua manifesta inviabilidade, para o próprio legislador que não acredita
naquilo que acaba de aprovar, as sucessivas contradições que encerra, sendo, às
vezes, absolutamente incompatível o que se diz no preâmbulo e aquilo que consta
da própria lei e a sua discricionariedade, se não mesmo arbitrariedade,
convenceram os cientistas do direito que seria uma ilusão tentar enumerar, de
uma forma exaustiva, as características da law
in Portugal.
Obra de referência nesta pesquisa científica foi o conto O Idioma Analítico de John Wilkins em
que Jorge Luis Borges menciona uma “… certa enciclopédia chinesa intitulada Empório Celestial de Conhecimentos Benévolos.
Em suas remotas páginas está escrito que os animais se dividem em a)
pertencentes ao Imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e)
sereias, f ) fabulosos, g) cachorros soltos, h) incluídos na presente
classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com
um pincel finíssimo de pêlo de camelo, l) etc.., m) que acabaram de partir o
jarrão, n) que de longe parecem moscas” …
E, no entanto, apesar da evidente complexidade da questão,
todos nós, mesmo os mais iletrados, sabemos reconhecer a law in Portugal. Um caso bastante evidente é, como todos já
percebemos, a lei da autonomia universitária, na parte em que permitiu que o
ministro Miguel Relvas obtivesse uma licenciatura. Saliente-se que foi um
dirigente da Juventude Social-Democrata que, constatando esta evidência,
apareceu a verberar o ministro Mariano Gago por ter aprovado tal lei. E fez
muito bem o jovem social-democrata.
Como todos sabemos, essa mesma lei, que permitiu a um senhor
conferir um grau académico a outro senhor, também permitiria a recusa do
desejado grau académico. Assim fosse entendido como conveniente. A mesma lei
permite, assim, não só ambas as soluções, absolutamente contraditórias, como
quaisquer outras, podendo sempre dizer-se que se actuou dentro da lei. Ou
melhor, dentro da law in Portugal.
Outro caso de law in
Portugal é a legislação sobre segredo de justiça. Neste momento, a
legislação até está relativamente equilibrada, não reunindo todas as
características de law in Portugal,
mas certamente que em breve será revogada e produzida nova legislação mais
conforme com a law in Portugal.
A legislação que o Governo pretende ver aprovada sobre a
floresta portuguesa e que vem considerar o eucalipto uma espécie em igualdade
de direitos com o pinheiro-bravo é outro caso de law in Portugal. Como salienta o exaustivo trabalho de Manuel
Carvalho no PÚBLICO do passado dia 16, esta lei tem enormes vantagens,
condensando num único diploma e num só organismo aquilo que tem estado
disperso. Diminui significativamente a burocracia, o que é indiscutivelmente
bom. No entanto, parece evidente que o que vai acontecer é a aceleração do
imparável crescimento do eucaliptal no nosso país, com todos os prejuízos que
daí resultam.
Em vez de investir no ordenamento do território e de
promover uma melhor gestão e rentabilização das áreas de eucaliptal, esta
legislação vai permitir que áreas inferiores a cinco hectares, incluindo áreas
de regadio, sejam facilmente convertidas em eucaliptais, afastando-nos cada vez
mais de um desenvolvimento sustentável da nossa floresta. Um efeito perverso de
uma legislação exemplar? Não. Faz parte da própria legislação, embora não seja
referido. Mas, claro, como boa law in
Portugal, toda a gente sabe que é assim.
No Verão é este o passatempo que se aconselha: coligir em
família exemplos da law in Portugal.
E rir… ou chorar. Advogado. Escreve à sexta-feira
Advogado Escreve
à sexta feira
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Público |
sexta-feira, 20 Julho 2012
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