sexta-feira, 8 de junho de 2012

Relatório acusa MP e PJ de falta de independência


Denúncia. Associação Transparência e Integridade critica Ministério Público e recomenda que Polícia Judiciária não dependa do Governo
Falta independência e integridade à investigação criminal levada a cabo pelo Ministério Público (MP). A denúncia parte da Associação Cívica Transparência e Integridade (TIAC) que analisou os principais pontos negros registados em Portugal e aponta o dedo a pressões exercidas sobre a investigação de casos de corrupção.
A entidade, em relatório agora divulgado, questiona alguns procedimentos no MP, nomeadamente a instauração de processos disciplinares a magistrados que investigaram crimes estando envolvidas personalidades de relevo, e reprova, também, os métodos de nomeação do procurador-geral da República (PGR) e do diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
"Na prática", refere, "a independência do MP tem vindo a ser questionada em várias ocasiões, sobretudo nos casos de corrupção e criminalidade conexa de maior visibilidade que envolvem políticos, banqueiros ou altas figuras da vida pública e empresarial". Em Portugal, note-se, estão presos apenas 17 pessoas por crimes de corrupção e dois por fraude fiscal.
A investigação do caso Freeport, que envolveu o nome do ex-primeiro-ministro José Sócrates, culminou com um processo disciplinar aos procuradores encarregados do processo. Paes Faria e Vítor Magalhães foram punidos por terem incluído no texto da acusação 27 perguntas que não chegaram a colocar ao então chefe do Governo e ao ex-ministro Pedro Silva Pereira.
A TIAC critica tal procedimento e recomenda que o PGR passe a ser eleito pelo Parlamento. "As dúvidas quanto à independência do MP começam logo pelo método de nomeação do PGR, pois, apesar de nomeado pelo Presidente da República, é proposto pelo Governo, implicando uma grande influência do Executivo na escolha, podendo pôr em causa a sua isenção", lê-se no relatório.
É também proposto que para o o cargo de diretor do DCIAP, agora ocupado por Cândida Almeida, se "estabeleça uma seleção mais transparente, com uma lista de candidatos e audição pública". A afetar a independência da investigação criminal está ainda, alerta a TIAC, "a proximidade de alguns procuradores com os eleitos locais, com os quais desenvolvem um relacionamento quase familiar, podendo reduzir a distância e objetividade necessárias do MR nomeadamente na condução de inquéritos criminais".
A independência da Polícia Judiciária (PJ) é também posta em causa por depender do Ministério da Justiça. "O facto de a PJ não estar dependente de uma instituição autónoma do poder político (como o MP) permite que haja um conjunto de situações em que a sua independência poderá não ser assegurada." Ou seja, apesar de vinculada ao MP quanto à investigação, a PJ não tem de lhe prestar contas da sua ação, explica.
GOVERNO
> Interferência – A Associação Transparência e Integridade (TIAC) garante que há espaço para tentativas de interferência financeira na atividade do Ministério Público (MP) e da Polícia Judiciária (PJ), por parte do Governo, nomeadamente quando corta o financiamento ou reprova gastos extraordinários.
ORÇAMENTOS
> Gestão – Os prçamentos da PJ e do MP são separados, mas ambos são elaborados pelo Ministério da Justiça. A sua adequação tem vindo a ser posta em causa em várias ocasiões, sendo argumentado que os valores não são compatíveis com uma prossecução eficaz da prevenção e investigação criminal.
7 PERGUNTAS A...
RUI RANGEL – Juiz desembargador
"O Ministério Público anda numa roda livre"
- Falta independência e integridade às investigações do Ministério Público (MP)?
- Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que o MP não é independente. É autónomo. A única magistratura que é independente é a judicial. O MP é sempre parte interessada no desfecho de qualquer investigação.
- Mas como vê a ação do MP?
- O MP anda, neste momento, numa roda livre. Verificam-se situações graves do ponto de' vista orgânico e estrutural.
- Por exemplo...
- ... por exemplo nesta "guerra dos Pintos". Quando vejo Pinto Nogueira (ex-procurador-geral distrital do Porto) dizer que o procurador-geral da República (PGR), Pinto Monteiro, atrapalhou o processo Freeport... que significa atrapalhar? Significa perturbar, confundir, baralhar, transtornar, impedir?
- Ou seja...
- ... ou seja, qualquer cidadão pode chegar à conclusão de que, segundo o senhor procurador Pinto Nogueira, o PGR não queria que o processo Freeport acabasse, ou que acabasse daquela forma e, portanto, não queria que fossem envolvidas certas personalidades. Só isso é que se pode tirar das declarações do dr. Pinto Nogueira
- E quanto à eficácia das investigações criminais?
- O MP é o principal responsável pelo atraso dos processos e por alguém ter de ficar anos e anos à espera de uma absolvição ou de uma condenação. É preciso, de facto, meter ordem no MP. O que está a dizer é grave. Para mim é tão grave quanto um espião ter no seu telefone privado a vida privada de duas mil e tal pessoas. O que está em causa é o Estado de direito, é a justiça, é a democracia. O MP que, depois, não se queixe se alguém vier dizer que decidiu colocá-lo na dependência do Governo, como acontece noutros países civilizados.
- A Polícia Judiciária deveria sair da dependência do Ministério da Justiça (MJ) ?
- A PJ está bem como está, na dependência funcional do MP e na dependência orgânica do MJ. Alteraria, sim, o método de nomeação do PGR. Eu preferiria que a nomeação fosse feita pela Assembleia da República
Licínio Lima
Diário de Notícias de 08-06-2012

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