domingo, 24 de junho de 2012

Governo quer Ministério Público a controlar advogados

A ação disciplinar sobre os advogados, quando violem as regras da profissão, vai poder ser desencadeada pelo Ministério Público (MP), passando a estar controlados pela autoridade judiciária, segundo uma proposta do Governo que altera o quadro legal das ordens profissionais. Trata-se de uma competência que hoje está atribuída, em exclusivo, aos conselhos de deontologia da ordem a que pertencem.
Os advogados estão revoltados com a possibilidade de virem a ser controlados pelos magistrados. Na sexta-feira, reuniram-se em Assembleia Geral, na sede da Ordem, em Lisboa, para repudiarem aquela proposta que altera o quadro legal de todas as 14 ordens profissionais existentes em Portugal. Conforme o bastonário António Marinho e Pinto explicou ao DN, está em causa a proposta de lei sobre as Associações Públicas Profissionais que se encontra em debate público, a qual, em seu entender, "reduz a advocacia a uma mera atividade económica". O diálogo com o Governo está em aberto, e o bastonário diz-se confiante em que se possa evitar "a entrega da advocacia às leis do mercado". A proposta atinge uma das mais "sacrossantas" prerrogativas da advocacia: ser a própria Ordem a agir disciplinarmente sobre os advogados que violem as regras da profissão. Mas a proposta elaborada pelo Ministério da Economia, e que resulta do memorando da troika, vai no sentido de que o procedimento disciplinar possa ser desencadeado, também, pelo Ministério Público.
Isto é uma revolução que o bastonário repudia. "Os advogados são fundamentais para a boa administração da justiça, sem a qual não há Estado de direito nem democracia", disse ao DN. Por isso, explicou, "a lei atribuiu-lhes imunidades, ou seja, garantias de que, em caso de infração, não vão ser sancionados por outras entidades que não os órgãos da sua ordem". Marinho e Pinto admite que a advocacia tem de se modernizar, e até reconhece que a Ordem, em muitos aspetos, é"exageradamente corporativista". Mas adverte: "Para que a atividade possa ser exercida em plenitude não pode estar dependente do Ministério Público, nem do Governo." Em seu entender, "a proposta do vai exatamente nesse sentido".
"Só há duas profissões privadas a que a Constituição da República reconhece a necessidade de se atribuir garantias, devido ao seu superior interesse público: os jornalistas e os advogados", lembrou. "Os jornalistas são fundamentais para a liberdade de imprensa, sem a qual não há democracia nem Estado de direito; os advogados são fundamentais para a boa administração da justiça, sem a qual também aqueles valores não existem." A indignação dos advogados foi toda exteriorizada na Assembleia Geral que a Ordem acolheu na sexta-feira. "Dali saiu uma posição que, conjuntamente com a proposta, possa servir de base de diálogo com o ministro da Economia", vaticinou o bastonário. O diálogo é necessário porque, adiantou, há outros e não menos polémicos temas que os advogados repudiam na proposta, como sejam, por exemplo, a liberalização da publicidade na advocacia, e a possibilidade de os advogados estrangeiros exercerem em Portugal sem necessidade de se inscreverem na Ordem (ver texto acima).
Advocacia com publicidade liberalizada
A proposta de lei do Governo para regulamentar as associações públicas profissionais, em debate público, poderá revolucionar a advocacia.
A publicidade vai ser liberalizada, obedecendo às mesmas regras que qualquer outro produto comercial. Por outro lado, os advogados estrangeiros vão poder instalar-se em Portugal e trabalhar sem necessidade de inscrição na Ordem. E as sociedades de advogados vão poder ter, entre os seus sócios, profissionais de outras áreas. Trata-se de alterações que mexem "na essência axiológica da própria profissão, no âmago da sua identidade" defende o bastonário António Marinho e Pinto. Ao DN, disse que "o Governo considera que todas as ordens são iguais, como se todas exercessem atividades económicas". Em seu entender, a proposta, que ainda tem de ser aprovada na Assembleia da República, "reduz a advocacia às leis do mercado", e "anula a axiologia da profissão".
Estatutos têm de ser alterados
Com a atribuição de competências ao Ministério Público (MP) para desencadear o procedimento disciplinar sobre os advogados, os estatutos que regulam a Ordem profissional vão ter de ser alterados. Neste momento, um magistrado do MP que detete um advogado a violar as regras tem de comunicar o facto à Ordem para que esta inicie os procedimentos disciplinares. Com a nova lei, depois de aprovada, o próprio magistrado terá poderes para abrir o processo disciplinar e deduzir a respetiva acusação.
Licínio Lima
Diário de Notícias de 24-06-2012

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