sábado, 30 de junho de 2012

Diferenciar a responsabilidade penal dos jovens

Contrariamente ao que se poderia pensar, o Supremo Tribunal norte-americano (ST) não se ocupa só de questões de saúde.
Na passada segunda-feira, o ST tomou uma importante decisão no caso Miller v. Alabama em que, aplicando a lei federal - a Constituição norte-americana -, deu maiores poderes aos tribunais estaduais e protegeu os direitos da população juvenil.
Estavam em apreciação os casos de Kuntrell Jackson e de Evan Miller, que, à data dos factos, ocorridos no Alabama, tinham ambos 14 anos de idade.
O primeiro, em 1999, conjuntamente com outros dois jovens de 14 e 15 anos, assaltaram uma loja de vídeos, tendo o mais velho deles morto a tiro o empregado. Jackson foi julgado pelos crimes de roubo agravado e homicídio em primeiro grau e condenado a prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
O segundo, em 2002, conjuntamente com outro jovem, depois de estarem a beber e a fumar marijuana com um homem de 52 anos na caravana deste, tentaram assaltá-lo quando este estava a dormir. Mas ele acordou, pelo que o agrediram com um bastão debaseball e a seguir pegaram fogo à caravana, tendo o homem morrido queimado. Miller foi igualmente condenado a prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
Tendo em conta a gravidade dos crimes, os dois jovens foram automaticamente julgados como adultos. E a lei do Estado do Alabama prevê, no caso de crimes da gravidade dos cometidos por estes jovens, a obrigatoriedade de os tribunais proferirem uma sentença de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
Ambos os jovens, através dos seus advogados, defenderam a nível dos tribunais estaduais, sem sucesso, que as suas condenações constituíam uma violação da 8.ª Emenda à Constituição dos EUA que determina que “não serão exigidas cauções demasiado elevadas, nem aplicadas multas excessivas, nem infligidas penas cruéis e pouco comuns” (cruel and unusual punishments). E ambos recorreram para o ST.
A questão de direito a resolver era a de saber se eram inconstitucionais as leis estaduais que, face à prática de certos crimes, determinam obrigatoriamente a condenação dos jovens a uma pena de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
O Supremo Tribunal considerou, numa renhida decisão com uma votação 5-4, que eram, de facto, inconstitucionais as leis estaduais que impunham obrigatoriamente tais condenações, isto é, sem qualquer possibilidade de os tribunais poderem atender às circunstâncias concretas dos jovens que estavam a ser julgados. O ST admitiu que poderia ser essa a decisão final tomada por um tribunal, mas a lei não a podia impor de forma obrigatória. Caberia aos tribunais apreciar e decidir em concreto.
Votaram no sentido da decisão os juízes Elena Kagan, Anthony M. Kennedy, Ruth Bader Ginsburg, Stephen G. Breyer e Sonia Sotomayor. Os juízes Roberts, Scalia, Thomas e Alito votaram contra por entenderem que as referidas condenações obrigatórias existiam em 29 estados norte-americanos, estando mais de 2 000 jovens a cumprir sentenças de prisão perpétua em virtude dessas leis. E, por isso mesmo, consideraram que as condenações não eram unusual, antes havendo um padrão social e político de generalizada aprovação dessas punições.
A tese vencedora apoiou-se nos precedentes judiciais relativamente à necessidade de diferenciar a responsabilidade penal dos jovens dada a sua “falta de maturidade” e o seu “subdesenvolvido sentido de responsabilidades” que os levam a ser imprudentes, impulsivos e a assumirem riscos impensadamente. Para além de que, como lembrou o ST, são mais vulneráveis a influências negativas e a pressões externas, têm um controlo limitado sobre o seu próprio ambiente e uma falta de capacidade para se afastarem de situações perigosas em que estejam envolvidos.
Para o ST, a 8.ª Emenda garante aos cidadãos o direito a não serem objecto de sanções excessivas e esse direito assenta num princípio básico da justiça de que a punição pelos crimes deve ser graduada, proporcionada e individualizada. Ora as leis que impõem obrigatoriamente a pena da prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional aos jovens impedem que os tribunais possam apreciar se existem circunstâncias que justifiquem, em concreto, outro tipo de condenação destes jovens, que cometeram crimes horríveis, como, por exemplo, condená-los a prisão perpétua mas com possibilidade de liberdade condicional. Ou a quaisquer outras penas.
Esta decisão do Supremo Tribunal norte-americano, em que o juiz Kennedy abandonou a ala conservadora e se juntou à ala liberal, é, assim, uma assinalável vitória dos direitos humanos numa sociedade extremamente violenta como é a dos EUA onde a justiça penal e o sistema penitenciário fazem parte de uma estranha indústria que detém o recorde da maior população prisional do mundo.
Por Francisco Teixeira da Mota
Público de 29-06-2012

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