quinta-feira, 3 de maio de 2012

Como se faz um PGR

Paulo Gaião [Expresso]
17:43 Segunda feira, 2 de abril de 2012

O procurador distrital, Euclides Dâmaso, apontado como possível novo PGR, fez um ataque indirecto  ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, por ter declarado nulas as escutas a Sócrates no caso "Face Oculta". Falou com ironia num novo ramo penalístico, o "Direito penal dos amigos", para se referir à lei processual, aprovada em 2007, no tempo do governo Sócrates, que prevê autorização prévia do presidente do Supremo  Tribunal de Justiça às escutas que envolvam o primeiro-ministro (pertencente ao pacote de alterações feitas à medida do caso Casa Pia).
Em 2006, o atual Procurador Geral da República, Pinto Monteiro, foi escolhido para o cargo  pelo governo Sócrates depois de ter feito um ataque a Noronha do Nascimento, então candidato favorito à eleição pelos seus pares para presidente do STJ. Pinto Monteiro, um desconhecido juiz conselheiro, acusava-o de ter um poderoso sindicato de voto no STJ que lhe  garantia a eleição. O STJ  parecia a União Nacional, dizia.
Noronha do Nascimento foi eleito, como era esperado com grande vantagem, presidente do STJ em Setembro de 2006. Pinto Monteiro tornou-se PGR um mês depois. 
Antigos rivais, Noronha do Nascimento e Pinto Monteiro desenvolveram curiosamente muito em comum no exercício dos seus cargos. Ambos foram atacados pelas associações de classe, a Associação Sindical dos Juízes e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público pela gestão de casos políticos. Pinto Monteiro por causa do caso Freeport e Noronha do Nascimento precisamente por causa do Face Oculta. No caso Freeport, o primeiro-ministro José Sócrates, apesar de índicios controvertidos, não foi constituído arguido. No caso Face Oculta, apesar das conversas entre José Sócrates e Armando Vara poderem revelar indícios suficientes do ponto de vista material, o líder socialista também não respondeu criminalmente por causa do vício formal de as escutas não terem sido autorizadas previamente pelo presidente do STJ.  
O que pensar disto tudo?
Nas mãos dos políticos   
Olhe-se, também, para a história da PGR nos últimos 30 anos. Cunha Rodrigues, que foi PGR entre 1984 e 2000 saiu do lugar criticado pelo PSD em virtude do caso Leonor Beleza/Sangue contaminado com sida.  Souto Moura, PGR entre 2000 e 2006, abandonou o cargo criticado pelo PS por  causa do caso Casa Pia/Paulo Pedroso. Hoje, Pinto Monteiro, prestes a terminar o seu mandato de 6 anos, sai da PGR acusado por vários níveis da hierarquia do MP de não ter sido independente no cargo e favorecer os socialistas.
O Ministério Público é uma entidade dotada de autonomia nos termos constitucionais. Mas o PGR, que está no topo da hierarquia do MP, é escolhido pelo Governo e nomeado pelo Presidente da República. A sua legitimidade assenta, pois, nesta dupla confiança política (como até se lembra na página on-line da PGR).  É esta contradição que está na base dos conflitos existentes e da própria instabilidade associada ao exercício do cargo.     
Por mais que apregoem o princípio da separação de poderes, na hora da verdade os políticos não toleram que o PGR não ponha na ordem procuradores justiceiros que decidiram tratar políticos de topo como qualquer outro cidadão perante a justiça. Então, das uma. Ou o PGR cumpre a lógica dos políticos e fica de mal com a estrutura do MP. Ou os enfrenta e tem a vida estragada (sem levar a água ao seu moinho porque atritos inexplicáveis acabam por põr fim ao processo).   
É um modelo que só serve para manter as aparências de que há um Estado de Direito em Portugal (onde os  Isaltinos e Felgueiras servem como máscaras). Até o  modelo para Provedor da Justiça, eleito por maioria de dois terços  pela Assembleia da República, independente e inamomível do cargo, a não ser por vagatura - enquanto o PGR pode ser exonerado pelo PR a todo o tempo sob proposta do Governo -garantiria mais independência ao PGR.   

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