segunda-feira, 19 de março de 2012

O mapa judiciário

A. Marinho e Pinto - Publicado às 00.00

A proposta de alteração do mapa judiciário português apresentado pelo Ministério da Justiça, que se encontra em discussão pública, é um documento anacrónico assente em dados incorretos e sem nenhuma pertinência com as exigências de justiça próprias de um Estado de direito democrático. A proposta foi elaborada por burocratas e partiu da conclusão (encerrar tribunais) para os pressupostos, ignorando dados relevantes dos concelhos e das populações afetadas, ao mesmo tempo que invoca outros totalmente falsos. Entre estes últimos estão os dados relativos aos movimentos processuais das 47 comarcas cujos tribunais o Governo quer fechar por, alegadamente, não terem um número de processos considerado suficiente para justificar a sua existência. Com efeito, apenas um desses tribunais tem uma pendência processual inferior aos 250 processos que o Governo definiu como limite, enquanto todos os restantes têm uma pendência bastante superior, chegando em alguns casos a mais de mil processos.
Por outro lado, o critério das distâncias entre os tribunais que se pretende encerrar e aqueles para os quais transitariam processos e pessoas também foi totalmente subvertido, pois foi utilizada uma base, a Via Michelin, que, obviamente, não tem em conta as realidades socioeconómicas. São dezenas as localidades do país em que as pessoas que tivessem de deslocar-se ao novo tribunal precisariam de dois dias ou então de recorrer a transportes privados, pois não há transportes públicos que lhes permitam deslocarem-se no próprio dia ao novo tribunal. Em outros casos, havendo transportes públicos, as pessoas não teriam, contudo, ligações diretas entre os dois concelhos, pelo que teriam de apanhar vários transportes e fazer escalas em outras terras, mas não chegariam de manhã ao seu destino.
Depois, há casos em que, para se chegar ao tribunal de destino, tem de se passar por outros tribunais, como acontece com várias localidades do concelho de S. Vicente, na Região Autónoma da Madeira, em que as pessoas teriam de passar por Santa Cruz e pelo Funchal antes de chegar à Ponta do Sol. Além disso, também não se compreende como é que se propõe o encerramento do Tribunal de Castro Daire situado a cerca de 30 km do tribunal de substituição (S. Pedro do Sul) e se deixa intocável o tribunal de Vouzela, situado a menos de 10 km. Há ainda casos em que os tribunais não encerram mas são feridos de morte, como acontece com o de Vila Nova de Famalicão. Além disso, os custos de funcionamento desses 47 tribunais são bastantes baixos e, na maior parte dos casos, são ou seriam suportados pelas câmaras municipais.
A concretizar-se tal proposta de alteração, aumentariam muito os custos, já bastante elevados, que as populações têm de pagar pelo acesso aos tribunais, levando-as, em muitos casos, a prescindirem da justiça ou então a procurarem alternativas nada recomendáveis. Infelizmente, o Governo parece não ter ainda compreendido a importância da justiça para as populações. O Governo ainda não entendeu que os tribunais não são peças que se possam mover livremente nos tabuleiros das conveniências políticas ou económicas de momento. Os tribunais são símbolos da soberania, da autoridade do Estado, da paz social, da justiça e até da unidade nacional.
A justiça, sobretudo a justiça criminal, tem de ser administrada o mais próximo possível das pessoas envolvidas, ou seja, do local onde ocorreram os factos que a reclamam, pois de outra forma não cumprirá as suas finalidades pedagógicas e preventivas. Infelizmente, quem elaborou esta proposta não conhece o país nem os anseios mais profundos das populações. São pessoas que vivem nas grandes cidades para quem o resto do país - do país real - só serve para pagar impostos e votar nas eleições.
O Estado tem de garantir a administração da justiça, enquanto dimensão da soberania, em todo o território nacional e não apenas nos polos urbanos do litoral. A justiça não é um bem de mercado que disponibiliza como uma qualquer mercadoria ao sabor das regras da oferta e da procura. Os governantes que não compreendam isto e persistirem na visão economicista da justiça não terão um futuro muito longo nem muito brilhante à sua frente.

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