segunda-feira, 5 de março de 2012

A justiça não se mede (só) em números


Não são aceitáveis, pois, critérios estritamente geográficos, economicistas e estatísticos que tantas vezes parecem constituir a única motivação governamental para as reformas.
A Justiça é essencial nos tempos que correm e, infelizmente, o século XXI caracteriza-se pela excessiva preocupação com o economicismo, a celeridade e a funcionalidade. São preocupações importantes, mas não as únicas e, muito menos, que excluam outras dimensões, qualitativas, não menos relevantes.
Pergunto-me se e como é que os cidadãos identificam os edifícios, sobretudo as novas casas da Justiça, como sendo tribunais? Questiono-me também sobre os critérios da nova divisão administrativa judicial e sobre quais devem ser as regras do novo mapa judiciário?
Hoje, muitos dos edifícios da justiça perderam a sua centralidade, solenidade e imponência. Perdeu-se também o simbolismo da especial autoridade do Estado e da necessária credibilidade acrescida, até pelo espaço que ocupa, de quem exerce a administração da justiça.
Daí que se diga que “perderam-se o simbolismo, a mística e o carisma ligados aos edifícios da justiça”. Não há dúvida que, embora nem sempre, aumenta a funcionalidade e aí a mudança, quase sempre, é benéfica. Mas também se tem perdido a força, o carácter, a nobreza e o simbolismo.
Não devemos pactuar, sem mais, com a tentativa de retirar a carga simbólica de poder ao poder judicial e com o encerramento puro e duro de tribunais, e, muito menos, com a substituição imediata ou a prazo por estruturas de funcionários da Justiça ou, até, de resolução alternativa de litígios – mais a mais sem obrigatoriedade de advogado, pois a “Casa da Justiça” é uma referência de soberania, simbólica, histórica e cultural não dispensável e o direito ao juiz uma garantia irrenunciável e insubstituível de isenção, de igualdade, de independência e de rigor no acesso do cidadão à justiça.
Hoje também, como é referido, a nova “distribuição” judicial não favorece as populações ou sequer os operadores judiciários. Favorecerá o poder político ou a governação? Temos dúvidas.
A dispersão a que obriga a especialização e a acrescida necessidade de deslocação das populações, no modelo que se nos apresenta, afastam a justiça do cidadão. Daí que se diga, não que se desertificam certas zonas do país, mas que se discriminem, negativamente, as regiões, as localidades e as populações mais desprotegidas do interior profundo.
A revisão e alteração do mapa judiciário e das regras de organização judiciária constituem uma prioridade pela inadequação de uma verdadeira rede judiciária (in)existente ou (in)eficiente e do (mau) funcionamento da (actual) máquina judiciária.
A reforma (ainda) a fazer é especialmente complexa e, por isso, não pode ser equacionada sem que se ponderem os recursos existentes, a sua mobilidade e especial afectação e as consequências das alterações às leis substantivas e processuais; deve ser política, profissional e particularmente planeada, mas consensualizada dada a especial preocupação pelas consequências que uma má reforma acarreta para o conjunto dos cidadãos, para as empresas, para os magistrados, para os advogados e para o prestígio da justiça e dos demais profissionais do foro.
A tendência europeia, que parte do pressuposto que a mobilidade actual das populações torna possível aproximar distâncias e concentrar recursos, vai no sentido de aumentar o espaço geográfico das divisões jurisdicionais e concentrar serviços de justiça (em Portugal dispersaram-se).
Há que fomentar o aumento de tribunais de competência específica nessas novas estruturas que permita uma melhor distribuição do serviço e uma justiça qualitativamente mais adequada e mais célere (em Portugal chega a misturar-se a justiça laboral com a de menores).
Devemos apoiar a crescente especialização, sem abdicar do princípio do juiz natural e da proximidade entre a Justiça e o cidadão (em Portugal pode haver dois julgamentos em matérias distintas num foro territorial longínquo quando a inversa seria a justiça de proximidade).
Não são aceitáveis, pois, critérios estritamente geográficos, economicistas e estatísticos que tantas vezes parecem constituir a única motivação governamental para as reformas.
Deveriam ter sido discutidas e consensualizadas as alterações propostas à Lei da Organização Judiciária já com o conhecimento das regras que a regulamentassem, o que não ocorreu e parece ser metodologia que não vai ser alterada. É mau.
E não me parece que a morosidade da justiça vá melhorar tão-só porque se giza um novo mapa judiciário. Para isso são necessários outros e mais meios e, sobretudo, melhor organização. E a organização judiciária não se esgota no mapa.
Não será um novo mapa, e muito menos a mera implosão de Serviços ou a cega extinção de algumas Comarcas, sobretudo do interior, a panaceia para os problemas da justiça.
Mais do que estabelecer formalmente linhas artificiais divisórias, ou concentrar artificialmente instituições e serviços, importa materialmente articular pessoas e melhorar procedimentos. O desafio é duplo: certamente a celeridade mas, sobretudo, a qualidade da Justiça. Ou seja, a Justiça não se mede (só) em números.
Carlos Pinto de Abreu (Advogado) | ionline | 05-03-2012

Sem comentários: