A percepção que os investidores estrangeiros têm dos advogados portugueses é que estes defendem os interesses uns dos outros à custa dos seus clientes.
A semana passada referi que Portugal permanece uma sociedade bastante fechada. É verdade que certos políticos conseguem, por vezes, ingressar na elite. Os advogados são outro grupo de aspirantes, muito embora, na prática, tal não passe de uma ilusão: a elite não é tão facilmente vencida. Contudo, a persistência nesta ambição resulta num excesso de advogados e no desperdício dos maiores talentos do país. A minha longa experiência no ramo levou-me a concluir que os advogados raramente são uma mais-valia. Podem obter o ressarcimento de danos para algum cliente e, momentaneamente, restabelecer a paz social e o orgulho, mas em geral a actividade dos advogados não gera grandes benefícios globais. Pelo contrário, os advogados representam frequentemente um entrave ao progresso, sendo facilitadores voluntários de práticas que há muito deviam ter sido abandonadas ou que são destrutivas ou simplesmente desonestas. Em Portugal é o que não falta.
Quando os países têm tal excesso de advogados surgem problemas específicos. Em primeiro lugar, na concorrência pela obtenção de trabalho, até as boas sociedades de advogados se vêem forçadas a aceitar clientes de reputação duvidosa. Não existe ética, só negócio. Em segundo lugar, como a profissão atrai os maiores talentos nacionais, estes conseguem conceber qualquer esquema para proteger clientes que estariam melhor na prisão. Os vigaristas pagam sempre as suas contas, ainda que avultadas, e procuram especificamente a protecção que advém da reputação de uma boa sociedade de advogados. De facto, a única coisa que não podem dar-se ao luxo de perder é o apoio dos seus advogados.
Isto afecta seriamente a legitimidade de toda uma profissão. Mas o pior é que a profissão não só se alimenta da ineficácia do sistema como a promove. Em Portugal, esta situação constitui um grave ónus para o país. A ineficácia nunca é infundada e só se mantém devido aos interesses instituídos, neste caso os interesses da própria profissão jurídica. Os efeitos são evidentes. Por ora, limitar- -me-ei a referir o impacto na actividade comercial, destacando o sector dos serviços financeiros, cuja débil regulamentação permite aos advogados mais bem posicionados e aos seus inconvenientes clientes fazer o que bem entendem.
A percepção que os investidores estrangeiros têm dos advogados portugueses é que estes defendem os interesses uns dos outros à custa dos seus clientes. A impossibilidade de obter soluções judiciais definitivas em prazos inferiores a cinco anos faz parte do problema. Significa que os tribunais não oferecem protecção. Consequentemente, o “rule of law” acaba por ser uma miragem em Portugal. Gostaríamos de pensar que estes problemas só ocorrem em países como a Rússia, mas não é verdade.
Os investidores ou proprietários de habitação própria estrangeiros encontram-se numa posição particularmente vulnerável e as partes contrárias portuguesas respectivas sabem-no. Os novos investidores chineses podem constituir a excepção. Poderão ter outra influência, à semelhança de cidadãos de outras nacionalidades, conforme veremos, mas o que tem de ser entendido de uma vez por todas é que o caso Maddy não foi bastante traumático devido aos erros que possam ter sido cometidos, mas devido à percepção no estrangeiro de que os cidadãos e interesses estrangeiros não conseguem obter protecção jurídica adequada em Portugal. O que também poderá, de resto, ser aplicável a portugueses que não tenham os contactos certos.
Portugal é o país ideal para “private equity”, mas que capital estrangeiro pode estar a salvo nestas circunstâncias? Bastantes intervenientes locais são sobejamente conhecidos por se locupletarem com o que podem. As acções em tribunal confirmam esta situação deplorável. Os seus advogados acham que isto é normal. Se o país já sofre gravemente devido à natureza fechada da sua sociedade, não sofre menos devido à falta de um sistema legal adequado. São estes os dois grandes males de Portugal.
É evidente que o investimento estrangeiro será vital na recuperação portuguesa mas nas presentes circunstâncias como poderá ser realizado? O que pode ser feito? Ponha-se alguém no poder que não faça parte deste grupo – talvez um duo composto por um bom comunista e um bom capitalista – à frente de uma reforma legal estrutural e abrangente, o mais depressa possível.
Jan Dalhisen
Professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, do King’s College (Londres) e da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa)
ionline | 07-02-2012
Professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, do King’s College (Londres) e da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa)
ionline | 07-02-2012
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