Mouraz Lopes e Nuno Coelho, Juiz-desembargador e juiz de direito referem-se a três equívocos:«A nova proposta de mapa judiciário apresentada pela Direção-Geral da Administração da Justiça vem acompanhada de três equívocos.»
Um é que a proposta decorre da reforma do mapa judiciário em curso. Outro é que se encontra criteriosamente realizada, sendo uma medida pronta a aplicar e baseada no ‘Memorando de Entendimento’ que determinou a ajuda financeira a Portugal. Por último, diz-se que esta reforma é inevitável e transformará a realidade judiciária, não voltando a adiar a reforma da justiça.
A verdade é que se trata de uma rutura com a reforma do mapa judiciário em curso, em aspetos tão fundamentais como a escala territorial das várias comarcas, a distribuição de competências e grau de especialização dos diversos tribunais, e a estruturação dos recursos humanos e materiais. Tudo isto feito sem apoio de um estudo idóneo. No fundo, o documento agora em discussão deve ser visto como apenas mais um ensaio, não se apoiando em nenhum pensamento coerente sobre esta reforma.
A estruturação da oferta judiciária que se propõe não atende a uma dimensão dinâmica da procura (litigância e seus fatores). Utilizam-se referenciais quantitativos pouco apurados e ignoram-se parâmetros como a diferenciação processual (complexidade e saturação), os desempenhos estatísticos e a duração dos processos. Só com uma aritmética mal trabalhada e fiável se pode defender, por exemplo, que a uma escala distrital se prescinda de um quarto dos juizes em exercício de funções nos tribunais de 1.- instância, colocando-os como juizes liquidatários itinerantes.
Sobre o previsível impacto dessa alteração na nomeação e colocação de juizes, ou nas presidências de tribunais, nada se diz. Porque nada se conhece? Idem sobre a dinâmica da litigância processual (distribuição) e o respetivo impacto na resolução da procura, ou sobre a movimentação global das pendências.
A reorganização judiciária agora proposta pode implicar o estabelecimento de soluções que contrariem as essenciais garantias do princípio do juiz natural, da inamovibilidade dos juizes ou da legalidade dos mecanismos de distribuição de processos. A função desses princípios, note-se, é garantir um poder judicial independente e imparcial. Para isso também contribuiria uma utilização mais regulada dos poderes previstos na lei para os cargos de gestão dos tribunais (Conselho Superior da Magistratura e presidências dos tribunais), ausente da proposta. Como também o estão critérios de alteração das distribuições dos processos ou de atribuição de prioridade a categorias processuais.
O processo legislativo da reforma do mapa judiciário encontra-se desgastado. As sucessivas alterações criam instabilidade e problemas de aplicação prática, prejudicando quem pretende exercer os seus direitos em tribunal. Uma verdadeira reforma estruturante, envolvendo leis organizativas, estatutárias e processuais, exige um consenso. Os juizes sempre estiveram e estarão disponíveis para intervir numa reforma assente em pressupostos válidos e coerentes com a Constituição e em boas políticas na administração da justiça. Mas sobretudo, na perspetiva de cidadania em nome da qual fazem justiça.
Mouraz Lopes e Nuno Coelho
Expresso de 11-02-2012
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